Encontrei o Jô Soares tão depressa que não tive tempo de lhe dizer que não é só o Serra que é capaz de falar de trás pra diante. O prof. Serra e seus alunos deram uma demonstração convincente. Vi e fiquei pasmo. No meu tempo de professor de ginásio, tive um aluno que lia com o livro de cabeça para baixo. Lia também de trás pra diante. E falava palavra por palavra, sílaba por sílaba e até letra por letra. Tudo ao contrário.
Mais do que um dislate, pode ser uma dislexia. Pelo avesso. Diga a neurologia. Conheci um sujeito que era capaz de fazer anagrama sem pestanejar. De uma palavra, ou de várias. É o mecanismo do palíndromo, que pode ser lido pelas duas pontas, sem alteração. Exemplo: Roma me tem amor. Outro: Socorram Marrocos. Um terceiro: Atai a gaiola, saloia gaiata. Osman Lins fez um romance, Avalovara, que entra por aí.
E há romance palindrômico, da última letra à primeira, sem que se altere o sentido. Há um pelo menos em castelhano. O castelhano se presta melhor ao truque do que o português. Há anos, o Millôr, que adora desafio, se meteu a escrever um texto assim. Conseguiu, mas teve de parar. Fomos os amigos em comissão lhe pedir pelo amor de Deus que parasse. Eu, que tenho nome palindrômico (Otto), já não dormia um minuto. Minha cabeça fervia. Estava a um passo de enlouquecer. Quase chamaram a aicnâlubma.
O mais famoso palíndromo universal é em latim: Sator arepo tenet opera rotas. Escrita cada palavra em uma linha, pode ser lido em qualquer sentido. Na vertical ou na horizontal. Coisa curiosa: ninguém tem certeza da tradução exata. Há várias versões. Ou palpites. Tudo na vida é mais ou menos, não é verdade? Certeza, certeza mesmo, só tem o Napoleão do hospício. Doido é aquele que perdeu tudo, menos a razão. Chesterton dixit.
Sim, o Murilo Mendes tinha o mesmo dom do prof. Serra. Nos últimos anos de sua vida, não gostava de se exibir. A rogo, a última demonstração a que assisti foi no Rossio, em Lisboa. Estava presente o João Cabral. Tínhamos jantado no Gambrinus. O Murilo estava Murilíssimo, um fenômeno! Na televisão hoje, com o Jô Soares, iria abafar. Poeta, mágico, prestigiador, nigromante, profeta. É tudo a mesma coisa.