Boa para viver, boa para visitar — diz o título da reportagem no Jornal do Brasil sobre Belo Horizonte. O Population Crisis Committee garante que a capital mineira oferece o melhor nível de vida da América Latina. A conclusão é insólita, ainda que lisonjeira. Preza aos céus que seja também veraz. Excelente nível de vida têm uns poucos em qualquer metrópole brasileira. Se Belo Horizonte tem mais gente assim, tanto melhor.

Mas o que me chama a atenção é o que está dito do parque Municipal. La vivem 46 espécies de aves. Verdadeiro santuário ornitológico. Quem diria? No centro da cidade, zona muito poluída. A barulheira ali empata com a poluição sonora de qualquer megalópole. Digo porque a ouço, por mais alto que me instale no hotel defronte.

Aliás era bem aqui o Bar do Ponto. Quem é que sabe hoje em Belo Horizonte o que foi o Bar do Ponto? A velocíssima urbanização encheu as nossas cidades de uma multidão que acaba de chegar. Gente que não tem identidade. Parece um monte de romeiros de passagem. Arrivistas sem raízes, camelôs que amanhã vão embora. Vão armar a barraca noutro ponto. Ambulantes, ou nômades, não têm compromisso com a paisagem, nem com a cidade. Por aí é que Carlos Drummond de Andrade chegou à maldição do poema “Triste Horizonte”.

Gostei de ver na reportagem o parque Municipal identificado como cenário de O amanuense Belmiro. O romance de Cyro dos Anjos é um clássico. Quem duvidar pergunte ao Antônio Candido. Apareceu em 1937, quando o autor tinha 31 anos. Cyro vive no Rio, com discretíssimos 85 anos de idade e de sabedoria. A sabedoria já estava no Amanuense, que se abre assim no parque Municipal: “Ali pelo oitavo chope, chegamos à conclusão de que todos os problemas eram insolúveis”.

O pessimismo é uma virtude mineira, sobretudo na geração do Cyro. Virtude ou defeito, como queiram. Está na poesia de Abgar Renault, que foge da vertente chorona da nossa tradição luso-brasileira. É poesia metafísica. Coisa muito fina. Saboroso pessimismo filosófico. E até cristão. E é também, sem paradoxo, poesia de amor. Como a que impregna a prosa de Cyro dos Anjos. Leiam e confiram.