Sem querer bancar o enxerido, acho que não se pode ser tão rigoroso com a primeira-dama porque errou o nome de Botucatu. Deu um viva a “Bocatatu”. Uma vergonha, disse um. Falta de consideração e de cultura, disse outro. Devia ir capinar em Canapi, disse, trocadilhesco, um terceiro. Só o bravo militante do PRN se mostrou compreensivo. É normal, muitos erram, disse ele. Nada como o bálsamo de um correligionário.

Botucatu significa “bons ares”. Consta que é também cidade de bom coração. Cá entre nós, esses nomes indígenas são mesmo complicados. Imaginem se fosse Pindamonhangaba. Na entrega do Prêmio Nobel a García Márquez, ninguém sabia dizer o nome de sua cidade natal: Aracataca. Até o rei da Suécia ficou encalacrado. Não se tratando de palavra familiar, esses lapsos são muito frequentes.

Qualquer um de nós já passou por isto. Outro dia eu queria dizer que uma amiga me apareceu viva em sonho e disse acordada. É o desejo inconsciente de eliminar essa intrusa, a morte. Em certas circunstâncias, pode ser uma gafe. E gafe o melhor é não tentar consertar. Senão piora. Se a dona Rosane não sabia pronunciar Botucatu, ficasse calada, disse um botucatuense. Ora, podia saber e errar. O erro acontece por antecipação ou contaminação e é sempre uma cilada. Um lapsus linguae. Freud estudou o tema a partir dos seus próprios equívocos. E era o Freud!

Marechal e candidato, o presidente Dutra foi em 1945 ao Paraná. Saudou lá a terra das “araucárias”. Discurso de ghost writer, cometeu uma cacoépia ou silabada de amargar. Nem por isto perdeu a eleição. No caso da dona Rosane, a simples dificuldade de articulação pode explicar o deslize. Mas logo se pergunta o que é que está por trás da distração. E as interpretações mergulham fundo na busca de motivos inconscientes.

Desdentado dasipodídeo de hábitos notívagos, o tatu encantou Kipling quando esteve no Brasil. Até pediu um e levou com ele. Ao dizer “Botu”, que se pronuncia “boto”, a primeira-dama juntou dois bichos brasileiríssimos. O boto e o tatu. Tímido, o tatu só quer a intimidade da sua toca. Detesta aparecer. Quem sabe há no lapso de dona Rosane um símbolo inconsciente contra o excesso de exposição. Boca e tatu, puxa, quanto pano para manga! O melhor é fazer boca de siri. Mas Botucatu que me desculpe, dona Rosane a meu ver está absolvida.

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