Publicada no livro Bom dia para nascer, Companhia da Letras, 2011.
RIO DE JANEIRO — Se um marciano descesse aqui e me perguntasse se o verão chegou, eu diria que sim. Diria que sim porque sei. E sei não porque fez 41 graus à sombra. Ou o meu ar refrigerado quebrou. E não adianta tentar descobrir hoje quem o conserte. Depois de meses de ócio, nem o aparelho resiste a essa brutal entrada do calor. Eu estava ali em Botafogo, numa rua de dentro, quando me dei conta. Nenhuma dúvida de que o verão tinha chegado.
Parei no sinal, trânsito lento, e vi. Vi no galho seco, estorricado, o bem-te-vi. Grande e bem nutrido, não cabia em si de surpresa. Também ele tinha sido apanhado desprevenido. Vi-o e vi que ele me viu. Não fosse um bem-te-vi. O peito amarelo fulgurava com lampejos de ouro. Parou ali para tomar fôlego. O bico aberto, língua de fora, resfolegava. E tinha as asas meio suspensas. Macho, vi logo. Nem precisava conferir a estria amarela no cocuruto.
Bastava o jeito impudente com que exibia à brisa as plúmeas axilas. Queria refrescar o sovaquinho, como o gari que um passo adiante por um momento interrompeu a sua faina. Braços levantados, cotovelos no ar, a vassoura ao léu. Mas o alerta inicial foi mesmo o bem-te-vi, que lá ficou, imóvel. Exposto à sanha do primeiro moleque. Nem precisava estilingue. Uma pedra e adeus.
Na parada seguinte, a certeza se impôs. Aí está o verão, me disse. O velho verão, carioca da gema. Quanto mais velho, mais carioca. Mais animado, mais quente. Chega assim, sem dar bola para o calendário. Nem toma conhecimento da rotação da Terra. Muito menos do horário de verão. Conheço uma senhora que tem a maior antipatia desse horário de verão. Absurdo, diz ela. Só faltava essa. O governo se meter no relógio da gente.
Tem toda razão, minha senhora. Se não protestamos, amanhã decretam que hoje é domingo. E pouco importam as clamorosas evidências de que hoje é sábado. O governo decrete o que quiser. Nós somos da oposição. Porque hoje é sábado. Mas vinha falando do bem-te-vi. Depois do bem-te-vi, vi, oh se vi, a mocinha de short. Ao sol, tomava um sorvete de casquinha. Aquela cor de pele, sabe? Epa, chegou o verão. E chegou pra valer. Quem quiser que saia de baixo. E vá pra Gstaad, Vail ou Chamonix.