Apesar da minha aversão a relógio de madrugada, assim que acordei olhei as horas. Eram quatro e dez, como eu adivinhava. Cansado, e essa crueldade de me acordar tão cedo. Escuro lá fora, passei os olhos pela pilha de livros. Ia pegando a Bíblia, quando vi no chão o tabloide aberto: "O bêbado". O poema é antigo: por que publicado logo agora? Um erro de impressão pôs uma bomba onde há uma pomba: “Do mais alto beiral nasce uma bomba”.
Como o sono também levanta voo, passo ao escritório. Um, dois, três livros do Paulo Mendes Campos, atrás de "O bêbado." Vou repassando dedicatórias, crônicas, versos e saudades. Recortes amarelecidos de jornal. Paro na entrevista feita por Maria Julieta Drummond de Andrade: “Quem é você, Paulinho?”. PMC estava chegando aos 62 anos de idade: “Sou um sujeito familiar, que gosta das pessoas do seu sangue e do time de amigos que foi formando pela vida afora”.
Afinal, cá está "O bêbado". No A palavra escrita. Está republicado sem uma única modificação. Falta, porém, o espaço em branco que separa a fala dos que andamos certos e orgulhosos na manhã, diante desse ser obscuro. Releio a orelha que escrevi para Poemas, 1979: “Chegamos juntos ao mundo, ele e eu. 16 anos depois, ele e eu concluíamos em São João del Rei o que então se chamava, e era, o Curso de Humanidades. É bem provável que nos tivéssemos por preparados. Para quê? Para a vida. E logo para as letras.”
Há 48 horas, em Belo Horizonte, me dei conta de que me encontrava no que hoje lá se chama Savassi. Meu irmão Marcio parou o carro e descemos. A pé, passo a passo, fui reconstituindo o que era no nosso tempo o Abrigo Pernambuco. Onde está a casa do Paulo? Desorientado, eu confundia Paraúna com Cristóvão Colombo, ou Contorno. Até os nomes desapareceram. Como se chama esta praça?
Bem visível, lá está a placa: praça Diogo de Vasconcelos. Ainda bem que nas crônicas e nos poemas do Paulo, reencontro a nossa Belo Horizonte. E o adro da igreja de São Francisco de Assis, em São João del Rei. O nosso primeiro universo. Nossa pátria pequena, Minas. Daí a pouco, Joan telefona: o Paulo morreu. Não, não estamos preparados. Confuso sentimento de que era preciso ter feito alguma coisa. Sim, era previsível. Mas não precisava ser irreparável.