Vamos imaginar, por exemplo, que a opinião negativa do Gide tivesse calado para sempre o Proust. Podia, não podia? O Gide era uma opinião de peso. Nome feito, ninguém ousaria contestá-lo. E o Proust, quem era? Um grã-fino ocioso, meio sofisticado. Um diletante, fechado com sua asma entre sufocantes lembranças de gente frívola. Podia ter desistido, quando se viu recusado pelo Gallimard. Podia não ter pago do seu bolso a edição Grasset de Du côté de chez Swann.

Na literatura francesa, ou em qualquer outra, não é difícil encontrar exemplos assim. Escritores que no momento decisivo da partida podiam ter sustado o desejo de se publicarem. Também no Brasil, claro, não faltam hipóteses. A Academia em 1936 premiou Magma. Poemas de quem mesmo? De João Guimarães Rosa. O autor escondeu o livro premiado. Não teve ânimo de prosseguir. Desistiu da poesia.

No finalzinho de 1937, já diplomata, Rosa concorre ao Prêmio Humberto de Campos com um volume de contos. Não conhecia ninguém no meio literário. A comissão julgadora era atraente: Graciliano Ramos, Marques Rebelo, Prudente de Moraes, neto, Dias da Costa e Peregrino Júnior. Estava na hora de testar a receptividade de sua ficção. Com o pseudônimo de Viator, Rosa perde o prêmio com Sagarana, que reescreve e só publica em 1946. Edição modesta, de amador. Podia ter desanimado, não podia? Dez anos depois, em 1956, não teríamos então Grande sertão: veredas.

Há livros que esperaram anos e anos até serem descobertos. Originais há que nunca saíram da gaveta do autor. Ou não convenceram um editor que não lê, mas tem faro. E erra. Quantos erraram! Erraram muitos críticos. Alguns de boa-fé; outros, nem tanto. A vida que podia ter sido e que não foi. O verso do Manuel Bandeira sugere um mundo de possibilidades que, todavia, não se tornaram reais.

O próprio Bandeira pagou a edição do seu livro de estreia. 200 exemplares de A cinza das horas. O poeta está condenado a não fugir do seu destino? Independe de estímulo? Sim, há uma compulsão de escrever, mas não de publicar. Um escritor pode também não escrever. Um direito seu. Por que não? Ah, quem escreverá a história do que poderia ter sido? O verso de Fernando Pessoa tem lógica. Será essa, diz ele, se alguém a escrever, a verdadeira história da humanidade.

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