Vanglória boba, costumo dizer que funciono em dois canais. Pois eu lia e via televisão, alta hora. Aquele caminhão que despejam em cima da gente, problemas insolúveis, crises insanáveis. É o noticiário. Já não se restringe à sua rua, à sua cidade, a coleta de lixo. Dá a volta ao mundo. Natural que a gente crie um mecanismo de defesa, quase uma couraça para testemunhar, indiferente, esse geral desconcerto, esse desfile de horrores.

De repente, minha atenção saltou do livro para a tela. A cena insólita me agarrou por inteiro e me pôs de olhos atentos, todo ouvidos, todo atenção. Sim, todo coração. Lá estava, insofismável: cabeça baixa, longos cabelos, olhos recolhidos. A mocinha acabrunhada. E chorando. Na missa de ação de graças. Na bela catedral que aponta para o céu e se escancara para o vasto horizonte que é todo luz.

Distraído, eu não sabia que ali se celebrava o 49º aniversário da LBA. Criada em 1942, durante a guerra, por dona Darcy Vargas, a LBA foi uma forma de trazer a público, mais que a imagem, o coração de uma personagem que, à moda americana, passamos a chamar de primeira-dama. Como o Brasil vivia numa ditadura, não faltaram cochichos de reprovação. O Natal dos Pobres, com distribuição de brinquedos às crianças. Uns tantos quilos de mantimentos para os que tinham fome e pela primeira vez entravam em fila. Iniciativas assim, meio inócuas, de uma bondade fácil.

E pública. A mão esquerda não só sabia, como divulgava o que a mão direita fazia. Quem sabe estava ali mais um sinal de que o Brasil mudava. Nunca, porém, a ponto de ferir o recato da primeira-dama. Nada principesca, ou imperial. Discreta. Modesta como convém à república. O país cresceu. Cresceu a LBA, até virar mais legião do que assistência. Ou ambas, vá lá. A teia se estendeu, forte onde o Brasil é mais fraco.

E rica, onde há mais pobres. O escândalo da pobreza absoluta de mão estendida às migalhas do poder. Não julgo, nem sei avaliar o que acontece. Mas aquela moça chorando me comove. Ninguém passa displicente diante de uma pessoa que chora. Nunca se viu nada igual. Na capital da república, no luminoso anfiteatro, aos olhos de todos nós, uma sombra tolda o coração da moça-primeira-dama. Por que chora essa menina? Seja lá por que for, o Brasil não tem razão para rir. É preciso confortar essa moça. É preciso dar jeito no Brasil ― e depressa.

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