No auge de uma crise política, dessas que são cíclicas, encontrei o senador Afonso Arinos. Falamos de tudo, menos da crise. Falamos dos amigos comuns, de poetas e de doidinhos mineiros. Alguns casos engraçados nos fizeram rir. Só no fim do encontro me lembrei da crise. Eu era jovem e fiquei escandalizado quando o Afonso me disse que a crise lhe dava um tédio danado. Se não me engano, até abriu a boca.
Carlos Drummond de Andrade pôs como epígrafe no seu “Claro enigma” um conhecido verso de Paul Valéry: “Les événements m’ennuient”. Os acontecimentos me entediam. Ou me chateiam, na tradução livre. Pode ser o que em psicologia se chama de fuga. A fuga dá até sono. Como o sono é uma forma interina de morrer (Machado de Assis), o sujeito se afasta assim da canseira da vida, com a vantagem de ter assegurado o bilhete de volta.
Estou dizendo isso porque me apanhei outro dia bocejando de tédio diante da televisão. Costumo dizer que nunca ninguém me viu bocejando. Sou do tipo insone. Mas há coisas que hoje me dão sono. Sono e tédio. Talvez seja a idade. Uma delas é a discussão em torno da pena de morte. Há anos e anos me interessei pelo assunto. Li, conversei, escrevi, refleti. Sou radicalmente contra. Com a mesma opinião, o Pedro Nava ficava uma fera com essa história de restaurar a pena capital.
Conversávamos pessoalmente, ou pelo telefone, e depois nos escrevíamos. Tenho umas cartas dele que são indignados libelos contra a pena de morte. Já pensei até em publicar, mas qual! A conversa está muito emocionalizada. E demagógica. Há um excelente time que forma na oposição. Ainda assim o debate me dá um tédio mortal. É o tipo da discussão da qual não nasce a luz. Nascem os perdigotos.
Treze anos antes de acabar o império, na prática acabou a pena capital no Brasil. Dom Pedro 2° não gostava de aplicá-la. Recaía sempre sobre os escravos. Foi a única sinecura brasileira que deixou de ser disputada — o lugar de carrasco. Era preciso recorrer a um prisioneiro e fazer dele à força um carrasco. Negro matando negro. Uma beleza! A república há 100 anos decretou o fim da pena capital. Agora vem essa gritaria emocional. É de matar, sim, mas de tédio.