Entretido no bate-papo, mal reparei na turbulência. Só quando pisei fora do aeroporto é que me dei conta de que o tempo tinha mudado. Qualquer coisinha e a gente se distrai. Também pudera. O Brasil de novo nesse sufoco, difícil olhar em torno. Mais do que olhar, ver. A festa de ver o que, visto todo santo dia, passa despercebido. Um minuto e o carro entra pelo Aterro. O trânsito flui fácil, apesar da hora.

No morro da Viúva, não adianta fugir do espetáculo. Você pode até se dispor a não ver. Fechar os olhos. Mas a baía vê você. E a paisagem entra pelos seus olhos, de repente seduzidos. Devassados. O Flamengo vai ficando para trás, sua remota muralha de prédios. Verdade ou não, ali o Rio é mais antigo. Adivinha-se o Catete lá por trás. O Largo do Machado, as Laranjeiras. Os muitos carros e ônibus, seu espesso fumo, nada chega a esconder a natureza. Mais um passo e tudo é verde.

Verde que te quero verde, hoje ecológico. Estou passando por Botafogo ― por que falar do Cosme Velho, subir na imaginação a Santa Teresa? Ou Águas Férreas. Ainda bem que estes nomes permanecem. Têm hoje o viço do instante em que nasceram, espontâneos, na boca do povo. O Silvestre. Um bairro assim numa grande cidade! E não é só o nome. É o mato mesmo. Seu cheiro de mato. A própria selva. Tem o silêncio, como tem, adequada, a trilha sonora ambiental de uma floresta de verdade.

Mas agora é Botafogo. À direita, a linha irregular dos prédios obriga a linha do horizonte a se erguer sobre os terraços. Entre lobo e cão, o sol grita que está lá. Agonizante, mas luminoso. Bonito contraste. Luz e treva na luta de todo dia ― eterno convívio de contrários. À esquerda, o mar. A baía de Guanabara. Quantas vezes já tentamos e conseguimos lhe mudar o contorno. Mas ninguém nunca lhe tira a graça de suas curvas. Sua inata elegância.

Se você se distrai, se não segura firme a direção, o carro segue o embalo. Vai em frente. Entra no túnel pelo prazer de sair, embevecido, do outro lado. E de novo o êxtase da orla. O mundão afora, a perder de vista. Força é entrar por Botafogo, rumo ao Jardim Botânico. E à Gávea, eia! Até nas palavras, o que não é flor, é água. Mar e jardim. Dá ainda pra olhar pro céu. Nuvens de chumbo e a teimosa auréola da luz que se despede. Com o tempo feio, puxa vida, como o Rio é lindo!

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