Ainda bem que há várias testemunhas de vista e de ouvido. Mas sempre restam dúvidas. Disse eu que não era de louça o galo do Schmidt. O poeta ficaria indignado com esse engano. Na recuperação de uma época, façanha tão rara no Brasil, um deslize como esse não diminui o livro de Ruy Castro. Há senões em Chega de saudade, mas ali está, viva, rediviva, a bossa nova, seus protagonistas e figurantes. Até os pingentes e caronas.

Com a sua bela voz redonda, o poeta Augusto Frederico Schmidt se exaltava com facilidade. Personalidade contraditória, era isto e aquilo. Uma coisa e o seu avesso. Sabia que precisava de amar. Ser amado, porém, não era o seu destino. Quem o diz é ele próprio, na página em que conta como, moço em 1931, na companhia de Jayme Ovalle, encontrou debaixo dos arcos da Lapa, de madrugada, um bicho branco, limpo e viril. Estava de pé, entre feirantes deitados que esperavam acabar de nascer o sol.

Era o galo. O famoso Galo Branco, que nunca mais o abandonou. Teve, claro, várias encarnações. Íntimo de Deus e dos anjos, Ovalle andava nessa época apaixonado por uma pomba. Infelicíssimo naquela noite, porque tinha sido traído e enganado. Sim, por um pombo, Ovalle morava no Palace Hotel, na av. Rio Branco. A pomba chegava cedo e, se Ovalle ainda dormia, bicava a vidraça até que o namorado acordasse e a recebesse para o idílico arrulho.

Anos rolando, Schmidt ficou importante. Como poeta e como homem de ação. A mais forte influência junto ao JK. Está por ser feita a sua trajetória. O capítulo do Galo é longo e complexo. Na seleta em prosa e verso, edição José Olympio, de 1975, há dois retratos do Galo Branco. Ao seu lado, o Schmidt. Não estava engaiolado, como eu disse aqui outro dia. Me enganei. Imagine só: prender aquele símbolo de tantos sortilégios e poderes! Schmidt de pé na varanda, embevecido, aprecia o seu aprumo guerreiro.

Na outra foto, o poeta sentado, de pé na mesa dá-lhe as costas, majestosa, a sentinela, a candeia no escuro. Sim, o Galo Branco, cuja voz atravessa a noite como uma espada. Gente estranha, esses poetas. Galo, pombo. Não de tinta, mas de penas. Uma vez Schimdt e eu viramos a noite num bate-papo de amorosas confidências, até que o Galo cantou. Raiava o dia. Mas é bom parar aqui, antes que me tomem por doido.

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