Vivendo e aprendendo. Eu não conhecia a palavra “gabiru” na acepção que agora vem tendo, de sujeito de baixa estatura. Nanico, ou anão. Gabiru no sentido corrente, aqui como em Portugal, é velhaco. Em sentido específico, um velhaco dado a espertezas com mulheres, para delas tirar vantagem. Não é palavra nobre, ou limpa. Frequenta os dicionários de gíria e calão, com acepções nada lisonjeiras.

Até a sua origem é duvidosa. Há quem garanta que vem do tupi. No Nordeste se diz também “guabiru” e designa inicialmente um rato. O rato traz no sistema nervoso, de resto bem parecido com o do homem, um vivíssimo sinal de alerta que lhe garante a sobrevivência. Rato nunca erra o buraco no rodapé. É acender a luz, ou sobrevir o perigo, e ele foge com a rapidez de um raio. A astúcia nele está sempre de prontidão.

Pode ser que tenha vindo por aí a transformação semântica que chama de gabiru ao brasileiro pequetito das regiões mais pobres. Subalimentado, faminto, vive como um clandestino. A pequena estatura funciona como um estratagema da natureza. Comendo pouquinho e furtivamente, cai-lhe bem o tamanho acanhado. Tal qual o rato de praia, que furta o banhista e chispa, despercebido. E assim chegamos ao conhecidíssimo pivete. A palavra pivete veio do castelhano e entrou no Brasil por São Paulo.

Triste contribuição damos assim à antropologia. Um nanismo que é fruto da miséria e que começa antes do nascimento, no ventre materno. O tipo enfezado do pigmeu brasileiro vem sendo apurado ao longo das gerações. Persistindo a subnutrição neste celeiro do mundo, vamos acabar com uma espécie de Lilliput nos trópicos. Mais uma contradição para o rol de nossas extravagâncias. Deitado em berço esplêndido, gigante pela própria natureza, o Brasil engendra agora anões em série.

Falta aparecer o nosso Swift para tratar o tema com o feroz sarcasmo que requer. O liliputiano imaginado por Swift media 12 vezes menos do que Gulliver, que entre eles passa por gigante. Quantas vezes o nosso gabiru será menor do que o titã de nossa classe privilegiada? Eis um problema a ser proposto aos teóricos de Laputa, a ilha que Gulliver também visitou. Tais teóricos viviam entre abstrações e nada sabiam da prática. Com perdão da palavra, Laputa parece que fica no Brasil — não parece?

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