Publicada no livro Bom dia para nascer, Companhia da Letras, 2011.
Vai completar um ano. Como negócio, pode não ser lá muito lucrativo. É cedo pra pensar em retirar o que investi. Mas que dá prazer, ah, isto só dá. Como é que me decidi? Que pesquisa de mercado coisa nenhuma. Foi o que pintou. Não tinha assim uma paixão pelo ramo. A minha sócia também não. De repente, tudo se encaminhou. Restaurante. Vamos nessa.
Soltar o barquinho na corrente e ver onde é que vai dar. Uma vez engajado, você salta os obstáculos sem pestanejar. Dificuldade, é uma atrás da outra. Um papelório medonho. Lerdo, omisso, na hora de chatear o poder está ali, firme. Muita paciência e uma boa conversa, a coisa anda. Boa vontade? Também tem. Quando você mais precisa e menos espera, até ajuda aparece. Esse gostinho do risco. Inebriante.
Véspera da inauguração, um pandemônio. Improvisa daqui, ajeita dali, mil troços por fazer, de repente tinha cara de restaurante. A gente nem dormia. O pessoal dando um duro que só vendo. Garçom, operário, todo mundo. Minha sócia pegando no pesado, em cima da hora olhou o bar e quase desmaia. Não vai dar, choramingou. Aí é que entra a adrenalina, ou o milagre, sei lá. Você morre, mas sai. Questão de honra. Louca aventura.
Terça-feira é assim mesmo. Domingo não abre. Aqui neste ponto ainda não dá. Amanhã, quarta, começa a esquentar. Quinta e sexta são os melhores dias. Sexta, nem se fala. Super clima. O pessoal já entra embandeirado. Esse ar de congraçamento, de promessa ou surpresa. Você sabe como é. A happy hour estica noite adentro. Claro, o pessoal bebe mais. Maioria, homem. Tipo executivo, rapaziada. Mas tem mulher também. Sozinha? Raro.
Quando você pensa que começa a entender do negócio, está entendendo é de gente. Tudo, mas tudo tem importância. A escolha da mesa, o serviço. O ritmo certo. Quando chega esta hora, você já batalhou à beça. No entanto só agora é que vai começar. Eu mesmo fiz a caipirinha de vodca. Você tem que se jogar todo. A freguesia percebe e corresponde. Você vê, por exemplo. Crise, sufoco, desemprego. E até hoje nem um cheque sem fundo! Brasileiro é honesto, sim. E o Brasil tem jeito, viu?