Eu sei que tu sabes o que eu nem sei se tu sabes. Isto é a epígrafe de uma novela que começa assim: “Ultimamente ando de novo intrigado com o enigma de Capitu. Teria ela traído mesmo o marido, ou tudo não passou de inspiração dele, como narrador? Reli mais uma vez o romance e não cheguei a nenhuma conclusão. Um mistério que o autor deixou para a posteridade”. É o primeiro parágrafo de O bom ladrão, de Fernando Sabino.

Se não se trata de simples truque do narrador, por aí se pode concluir que o Fernando talvez esteja entre os que entendem que existe mesmo o tal enigma de Capitu. Nem por isto o Dalton Trevisan e eu vamos deixar de cumprimentá-lo. Antes, se diverge de nós, é mais um motivo para mantermos o diálogo. Trocar uma gravata vermelha por uma gravata vermelha não tem a menor graça. Até o escambo pede mercadorias distintas.

Eugênio Gomes era um machadiano de verdade. Em 1939, ano do centenário do Machado, publicou um livro pioneiro sobre as influências inglesas em Machado de Assis. O enigma de Capitu, que pouca gente leu, apareceu em 1967. Capitu era inocente ou culpada? A pergunta está na orelha do livro. Em 1958, o criminalista Aloysio de Carvalho Filho tentou o processo de Capitu. Conheci-o senador e guardo boa lembrança dos nossos bate-papos sobre esse “julgamento”.

Dizem que da discussão nasce a luz. Moço, escrevi que da discussão nascem os perdigotos. Depois passei a ver a polêmica no quadro do humorismo. Sem fairplay, é uma chatice. Desaforo não tem graça. Carlos de Laet, Camilo Castelo Branco, Oswald de Andrade, Nelson Rodrigues — todos os bons polemistas são humoristas. Até o Antônio Torres da lusofobia tem piada. O José Guilherme Merquior, que adorava uma polêmica e que póstumo continua polêmico, gostou da minha tese. Um dia conto esta história, de que faz parte o Hélio Pellegrino.

Data de 1933 o ensaio de Mário Casasanta sobre “Machado de Assis e o tédio à controvérsia”. Machado nunca respondeu ao Sílvio Romero ou a quem quer que seja. Tinha horror aos chatos. Nem precisa lê-lo para saber disto. Basta ler o Eugênio Gomes no Enigma. A obra machadiana é toda repassada de finura, de espírito. De wit. O Dalton Trevisan e eu recusamos o cinto de castidade que impuseram à Capitu. Só ela tem de ser fiel nesta época de permissividade. Dá pra discutir com quem leu o Machado. Ou discretear, mas com estilo e graça. Machadianamente.

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