Fosse no Rio de tempos atrás e não faltaria alguém para dizer que é uma onda de verão. Não se trata de nenhum fenômeno atmosférico. Ou talvez sim. E neste caso tem direta relação com a natureza. Quem sabe acompanhe as marés, ou venha de uma traiçoeira imantação da lua. Teria algo a ver com a qualidade do ar, ou estaria sujeita a nuvens que se formam longe, por ora invisíveis, ou a ventos que ainda vão soprar.

Eram os cronistas que a pressentiam, essa onda de verão. Quente pela sua própria natureza, tem com o verão outras afinidades. Não convida, por exemplo, ao recolhimento e à solidão. Antes, estouvada, exibe com descuido o que nela há de travessa inconsequência. Será deleitável também por isto, porque vem e passa, fugaz. Longe, porém, de a ter na conta de efêmera, a vítima se agarra à certeza, pouco importa se ilusória, de que é eterna.

Já se vê que se trata de algo que traz um compromisso com a hora que passa. Encontros fortuitos, súbitas revelações. Quebra-se a rotina enfadonha que enfia um dia no outro, sem susto nem cor. Estremecem as cinzas do rame-rame, num sobressalto de promessas que adiantam, fidedigna, uma primeira cota de felicidade. Carpe diem, sussurra, sério, o latim. Nada de pensar no dia de amanhã. É agora, só agora, e depois é nunca. De onde vem não se sabe; para onde vai se ignora. Mas circula, refrescante, essa brisa de frívolo prazer.

Afinal, de que é que estou falando? Ah, sim, da onda de verão. Onda porque vem e vai, como vai e vem. E também passa. Ou não passa, enquanto se move. Enquanto trabalha o motor que lhe dá vida e palpitação. Fosse no Rio, logo se poderia pôr a culpa, se culpa existe, na exuberância da paisagem. Ou no mar, que, inquieto, convida à mudança sem fugir ao decreto de sua permanência. Igual a si mesmo, para sempre estável em sua imprevisível versatilidade.

Mas agora é em Brasília. Não é só em Brasília, mas é sobretudo em Brasília. Almas cativas daquela petrarquiana pace tranquila, tranquila e ardente, exibem o seu instante de felicidade. A doce pena precisa de se mostrar. Já não se trata de tormento cruel, áspero e grave, como o cantou Camões. Resta saber até onde se concilia o amor da pátria, o cívico dever, com o alegre desvario da onda de verão. Mas isto é prosaico demais pra entrar aqui. Amai, rapazes!

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