RIO DE JANEIRO Já me aconteceu de escrever um texto e o pôr de lado. Deixar amadurecer. Nem sempre amadurece. Vou ler e é uma decepção. Também já me aconteceu de escrever e achar que disse o que queria. Ou quase. Se chego perto, está bom. Umas poucas vezes, ainda assim li, reli e rasguei. Não tolerava ter chegado perto demais do que eu queria. Do que eu sentia.

Por que acrescentar à abjeção do mundo uma nota de trágica tristeza? É o que sempre me perguntei. Não estou aqui para tornar o mundo mais bonito. Não tenho este dom. Nem posso impedir que o mundo seja tão feio quanto às vezes se mostra. É até o caso de denunciar essa feiura. Quem sabe inspire horror. Um único leitor que seja. E me basta. O que importa é isto: a sintonia. Essa reciprocidade, de peito a peito. A palpitação simultânea em dois corações. De longe ou de perto, tanto faz.

Essa dor eu já vi. Dela, graças a Deus, fui poupado. Essa dor que subverte a ordem natural das coisas. O próprio universo, lá na infinita distância, estremece de horror. Vêm daí os cataclismos. As calamidades que constituem um como protesto da natureza. Nada pode ser indiferente à dor. Há certas dores que irrompem de uma misteriosa nascente. Cega, a tragédia não tem compromisso com a lógica. O raio cai onde quer. E às vezes cai do céu azul.

Todos estamos fartos de saber que a violência anda à solta. Poucos não a têm visto de cara. Ou sofrido na própria carne. Dores são dores e cada um sabe da sua. Essa é, porém, uma dor que dói na pauta do absurdo. A viúva tem lágrimas bastantes. E têmpera. Os parentes próximos, todos têm ainda no peito esse coice de um susto. Nem parece que aconteceu. Pesadelo dentro de um pesadelo, não dá para acreditar. Todos pedem, ansiosos, para acordar.

Mas você, por que você? Seu pai que até ontem era eterno. Seu herói onipotente, que dispensava heroísmo e prova de força. Nos seus seis anos, você sabia, você sabe que ele era, que ele é o paraíso. Até no nome. Na constelação familiar, era ele o protagonista. Há muitos jeitos de amar. Mas amor assim, só o dele. Esse mútuo entendimento. Esse carinho que dispensa palavras. Que palavra eu agora lhe posso dizer? Viva, menina. Viva e seja feliz. Por amor ao seu pai. Seu paizinho, nos desculpe a todos, que os bandidos mataram.

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