RIO DE JANEIRO — Outro dia, era de noite, saí da Gávea, em plena zona sul do Rio de Janeiro, e de repente entrei em Londres. Ou numa São Paulo de antigamente que, presumo, não existe mais. A rua estava embrulhada num denso nevoeiro que mal me deixava entrever um palmo além do meu nariz. Curioso, fui indo com toda a cautela até o Leblon. Quanto mais eu andava, mais o nevoeiro se espessava. Os faróis do carro, inibidos, já não ajudavam a minha visão. Atrapalhavam.
Em Ipanema, na praia, cadê a ciclovia, as árvores, os novos quiosques, os postos salva-vidas, até a areia? Tudo tinha sido escamoteado como num passe de mágica. E eu ali de carro, a passo de cágado, pisando sobre ovos. Quando vinha um carro do outro lado, era uma sombra fantasmagórica que de perto tentava em vão arregalar os olhos leitosos e cegos. Os postes mais próximos dependuravam no alto a mesma bola difusa que um dia foi luz.
Quem não viu o que vi pode ter visto na televisão, pois foi notícia. Afinal não é toda hora que o Rio aparece assim encapotado em pleno verão. Quem gosta de explicação ficou sabendo que o fenômeno resulta da baixa temperatura das águas do mar em contraste com o calorão das ruas, mesmo à noite. O sol se recolhe, sim, para dormir. E deixa aqui embaixo, ardente, o seu hálito de fornalha. Mas o mar, quando lhe dá na veneta, não aceita essa tirania do sol.
Também está longe de se conformar com a atitude negligente com que o tratamos. O carioca é muito folgado com o mar. Soberbos, os surfistas já nem pedem licença para cavalgá-lo. As moças vão lá exibir a sua nudez. Maré baixa, ele fecha os olhos, pudico. Fogem do sol e do sal, mas do mar não fogem. Mergulham nele os seus olhos displicentes e oceânicos de distância. O que lhes interessa é o lazer da praia. A patota, a zorra, o namorico. Voltam para casa tendo visto o sorvete e o cachorro-quente. Mas o mar não viram.
Dois dias depois, acordei de um sonho angustiado no meio da noite e cheguei à varanda. De novo a cidade estava londrinamente encapotada como num filme policial. Não dava pra ver do outro lado da rua. Talassa!, gritei. O fog engoliu minha voz, sem eco. Meio talassofóbico, sei que a fúria do mar pode ser a bíblica manifestação da cólera divina. Gente, o mar não é um cãozinho doméstico que se põe no colo. Ninguém o tome por impotente. Ele está aí, vigilante, e adverte a cidade. Mais respeito, por favor. Foi o que li no nevoeiro.