Qualquer número é um prato cheio para o jogo da numerologia. Nem precisa ter quatro algarismos, como 1992. 1992 é quase tão sedutor quanto o capicua que o precedeu —1991. Dois noves juntos. O nove contém três vezes o três. Tripla perfeição. O Tiradentes, coitado, se agarrou no triângulo, que tanto podia ser a Santíssima Trindade, como podia ser a maçonaria. E se deu mal. Ou não?

Há 200 anos, estava aqui no Rio, esperando a execução da sentença cruel. É que 1792 tinha apenas um nove. 1992, além de ter dois noves de braços dados, tem ainda um três que resulta da soma do um com o dois. E é bissexto. Hoje é 29 de fevereiro. De quatro em quatro anos, é preciso quadrar o ano civil com o ano astronômico. É possível que a palavra “ano” venha de annulus, anel.

Sendo um círculo, o anel é de novo a perfeição. Ano, ou seja, um ciclo. Ciclo é círculo, que por sua vez é anel. E tudo recomeça para perfazer o processo completo. O que sai do ciclo, do círculo, tanto pode ser a morte, como a eternidade. Um ano coincide com o Zodíaco. 12 é também um número perfeito. São 12 as constelações. Como no Egito antigo, como na antiquíssima China, ou em Babilônia, os astros voltaram a ter voz. E comandam o crédulo destino da multidão de órfãos do ocaso deste século 20.

Um ano tem 365 dias, mas sobram seis horas. “Bis sexto ante calendas martii”, diziam os romanos. A princípio era a 23 de fevereiro. Depois esse enxerto de um dia passou para o dia seguinte ao 28. Quem nasceu num ano bissexto traz uma queda para o excêntrico. Se nasceu no dia 29, precisa de um anjo sobressalente. Um anjo torto, que puxe da perna ou seja canhoto.

Crendices, o rico folclore que corre os tempos e os povos. Que há qualquer coisa de estranho no fato de o ano ser bissexto, nenhuma dúvida. Manuel Bandeira chegou em 1946 à Antologia dos poetas brasileiros bissextos contemporâneos. A palavra não estava dicionarizada nesta acepção. Poeta que só entra em estado de graça de raro em raro. E se o poeta nasce num ano bissexto? Aí, a coisa se agrava, sobretudo se cai num trígono pouco favorável. Por isto e pelo mais, é melhor não ser bissexto. E muito menos poeta. Ou quem sabe não.

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