Eu não sabia que a inflação soluça. Gostei demais dessa novidade. Não é preciso entender do riscado para saber que a inflação, a nossa pelo menos, é indomável. Na campanha eleitoral, estava a um passo da morte. Um tiro só e pronto. A bicha caía morta, estatelada. Veio aquele trauma. De tão brutal, até achei que podia dar certo. Torci, rezei.

Sai ministra, entra ministro, e nada. A inflação é teimosa. Corrói tudo, cupim da maldade. Destrói o dinheirinho do pobre e enche a burra do rico. Ainda agora, o deputado Ziegler garante que um punhado de brasileiros tem na Suíça US$ 60 bilhões. Ziegler é deputado suíço e há tempos persegue essa história de conta numerada. Li o seu primeiro livro — Une Suisse au-dessus de tout soupçon.

Pelo que ele diz, está lá a maior caixinha do mundo. Acima do bem e do mal, acima de qualquer suspeita, não quer saber de onde vem o tutu. Se é limpo, se é quente, se é lucro do narcotráfico. Muito menos se é roubado do povo miserável. A Suíça deposita e cala. Caladinha, paga juro e tira o seu. A inflação pode aqui explodir ou galopar.

Por enquanto a inflação não galopa, nem explode. É verdade que já se fala de novo na hiperinflação. Aí, o vendaval manda tudo pro ar. Não sobra Collor sobre Collor. Sobrará a Suíça, sua montanha de ouro. Mas até lá, que Deus nos livre, a inflação soluça. Me lembro do Papa Pio 12. Agonizante, em Castel Gandolfo, começou a soluçar e não parava mais. O mundo inteiro ficou preso naquele soluço que doía no peito da gente. Até que veio o selo da morte. Seu silêncio, sua paz.

Mas quando ouvi dizer que a inflação soluça, pensei foi na “Canção do outono”, do Verlaine: “Les sanglots longs des violons de l’automne”. Há várias traduções em português. A do Onestado de Pennafort diz assim: “Os longos sons dos violões pelo outono”. É boa, mas tirou os longos soluços dos violinos. Sim, lamento, mas violon em português é violino. Perde a graça. Ou melhor: perde o surdo soluço que está no original. Outro poeta, este brasileiro, diz que no Brasil não há outono, mas as folhas caem. E a inflação soluça, sabemos agora.

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