Há um poeta inglês que diz que nunca pensou noutra coisa. Não passou um só minuto de sua vida que não lhe viesse à consciência a obsessiva presença. Os poetas são mais sensíveis à sua sombra. Ou à sua luz. Do ponto de vista religioso, é mais luz do que sombra. Os convidados para sempre se iluminam. Ou enfim a eternidade os fixa. Ou os muda, tanto faz. Na verdade, ninguém sabe é nada, a menos que recorra à fé.

A própria fé no que não se vê, nem se prova, no que não é racional, virá daí, dizem céticos e agnósticos. Então é o medo que inventa esse para lá do real, que o transcende. Se há mistério, há pelo menos temor. No escuro a criança se sente insegura. A criança de sete anos, como a de 17. Não se pode ser sério aos 17 anos. Também aos 70. E aos 70 vezes sete. Tudo é a mesma incógnita. Se não se tem o teorema metafísico, melhor é não pisar o primeiro degrau.

Essa escada não tem fim. O velho silogismo soa mentiroso. Todo homem é mortal. Sócrates é homem. Logo, Sócrates é mortal. Sócrates, tudo bem. Nada a opor. Não eu, que não me chamo Sócrates, nem sou grego. Menino, pensava cá comigo. Virá como um ladrão, quando menos se espera.

Esperto, vou esperar o tempo todo. Nem um milionésimo de segundo vou deixar de esperar. Não durmo no ponto. Quero ver se ela vem. Eu de luz acesa, nunca que vai bater na minha porta.

Já na infância, a gente nem saiu do berço, e essa ameaça. Coisa cruel, dizia minha mãe. Nem dá pra acreditar que Nosso Senhor inventou uma coisa dessas. O padre, paciente, lhe explicou. Minha senhora, é o salário do pecado. Ela sorriu e aceitou. Entrou em casa rezando. Rezando ou praguejando, já nem sei. Cruz credo! Coisa mais sem graça. Será que dói? Se é tão ruim, deve doer. O padre foi ao Evangelho e à teologia. Citou Santo Tomás, doutor angélico.

Minha mãe, pobrezinha, ficou esmagada debaixo daquela erudição. Olhou o manto de Nossa Senhora da Conceição e quase pediu socorro. Contei este lance ao Pedro Nava e ele espiou fundo nos meus olhos. Ergueu o olhar pro alto. Uns olhos tristíssimos, que só o Nava sabia fazer. Tem gente, dizia também minha mãe, que nasce com um véu de melancolia no coração. Pode estar alegre, que não adianta. Tudo por culpa da Iniludível. Que tudo absolve, disse a minha mãe contra o axioma dos teólogos.

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