Falar é fôlego, diz o provérbio. Em tempos bicudos, lágrima é água. As lágrimas da imagem de Nossa Senhora da Rosa Mística têm a mesma composição química da água do poço artesiano da igreja de Louveira. O precioso líquido, legítimo H2O. Se a equipe da Unicamp se surpreendeu com o resultado, é porque entende de química, mas, perdão, não entende de choro e ranger de dentes.
Imaginem só: procurar albumina, globulina e lisozima. Está na cara, ou melhor, na face, que Nossa Senhora está chorando pelo povo. E o povo que vai lá chorar a seus pés e pedir paciência para suportar as dores de cada dia. Ora, albumina é proteína, o que quer dizer ovo, carne, legumes. Globulina e lisozima são também coisa de muito luxo.
Se os pesquisadores querem encontrar estes elementos químicos, devem colher as lágrimas do pessoal da Fiesp, se é que ainda há gente chorando por lá. Ou na Febraban. Quem sabe no Harmonia, ou no São Paulo. Aqui no Rio, já nem sei se encontrariam tão rica composição de proteínas no Country Club.
Nelson Rodrigues vivia impressionado com as lágrimas do Portinari. Lágrimas portinarescas, repetia ele volta e meia. Era um tempo em que no Brasil, no México, em todo o mundo, a pintura tinha um compromisso com a denúncia social. As lágrimas de esguicho do Portinari retratavam a miséria do Brasil. Os famigerados bolsões.
Fui amigo do Portinari e filei muito almoço na sua casa do Cosme Velho. Certa vez lhe perguntei se aquelas lágrimas não encerravam uma contradição. Os retirantes fugiam da seca. Na terra estorricada, não choram o Fabiano do Graciliano, nem o Severino do João Cabral. Homem não chora, sustenta o machismo. Mas na prática até general chora. Chora o refém e chora o sequestrador.
Dizem que com a violência o brasileiro está deixando de ser sentimental. Mas o Brasil continua um vale de lágrimas. Em círculos palacianos quem não chora não mama. São lágrimas de outro gênero. Teatrais. Na recente mudança ministerial, houve também muitas lágrimas. Algumas de crocodilo. Já Nossa Senhora de Louveira em nome do povão chora de verdade. Lágrima de água de cisterna. Um privilégio que pouca gente tem, nestes tempos de cólera e desidratação.