Como tudo neste mundo, a pedagogia tem mudado muito. No Brasil, pouco apegado à tradição, muda toda hora. Ou de ano para ano. Já não existe hoje, por exemplo, antologia, como no meu tempo. Não sei se é pior ou melhor. Pode ser melhor, por que não? Antologia é uma palavra da botânica. Vem do grego e significa qualquer coisa como colher flores. Também se pode dizer florilégio. No sentido figurado, antologia ou florilégio é uma coleção de excertos.

Se está complicado, desculpe. Mas é assim que está na Antologia Nacional do Fausto Barreto e do Carlos de Laet. Em Minas, tínhamos, posterior, a do Cláudio Brandão. Também se pode dizer crestomatia. São palavras que saíram de moda. Já não destroncam a língua dos colegiais. Antologia ou crestomatia é uma compilação de trechos escolhidos em prosa e verso. Brasileiros e portugueses. A gente beliscava de tudo um pouco. Era uma degustação de muitos pratos. De cada um se tirava uma provinha.

Autor que nunca faltava nessa mesa fornida era o padre Antônio Vieira. Sua arte parenética, crivada de antíteses, reboa no século 17 e repercute até hoje. Um de seus ecos está, por exemplo, no Boca do inferno de Ana Miranda. Está o barroquíssimo orador, está o personagem assombroso, junto de Gregório de Matos, outro que tinha lugar assegurado nas antologias. Um e outro fazem prodígios com a nossa última flor do Lácio.

Mas, se me permitem, o Vieira é o maior espanto desde que se inventou a língua portuguesa. Profeta, viu pra diante e pra trás. Esotérico, lia nos astros e sobretudo nos cometas. Nas antologias, um trecho infalível de sua lavra era o que conjuga o verbo rapio. No latim, é furtar, roubar, saquear. Dizia o Vieira que o verbo se conjuga por todos os modos. Furtam pelo modo imperativo, como pelo mandativo. Pelo optativo conjuntivo.

Também pelo modo permissivo, porque permitem que outros furtem. Igualmente pelo modo infinitivo, porque não tem fim o furtar com o fim do governo. Estes modos conjugam por todas as pessoas, como juntamente por todos os tempos. Não lhes escapam os imperfeitos, perfeitos e plus-quam perfeitos. Furtam, furtaram, furtavam, furtariam e haveriam de furtar mais, se mais houvesse. Até aqui, o Vieira. Perseguido pela Inquisição, defendeu os índios. Implacável, pregou contra a escravidão e o roubo. Será que passou de moda?

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