O verão está no auge. Natal branco lá no Norte. Aqui, pelo menos no Rio, a neve é o calorão que bota pra fora toda a carioquice da cidade. E de seus habitantes, claro. O carioca se espalha. Por mais festiva que seja a neve, chega um ponto em que enche. Dá nos nervos. Uma coisa é o cartão postal dos flocos caindo em silêncio. A neve do Natal é assim. É o ideal, pelo menos. Ou a neve grã-fina das estações de inverno. Outra coisa é a neve que entulha a rua, suja, plebeia.

Neste sentido é que digo que o calor tem a vantagem de ser mais festivo. Extroverte. O carioca fala alto, se expande. Na zorra da praia, ou no botequim, tomando chope, está à vontade. Abraça, dá palmada nas costas do outro. Se não é, fica íntimo em dois minutos. Que é que há, ó meu? Está me estranhando? Sabe lidar com o verão, como se lida com um cão bravo. Quando cheguei ao Rio para viver, foi uma opção definitiva. Mas eu não sabia o que é trabalhar duro no calor carioca.

Parece mentira, mas o maior frio que senti na minha vida foi em São João del Rei. Em junho, julho, sem aquecimento, era de bater queixo. Tinha de aquecer os lençóis e quentar fogo. E olhe que já estive no polo Norte. Estão vendo que no Rio em dezembro, janeiro, roupa pesada, eu quase morria sufocado. Até hoje me lembro daquele abafo úmido e pegajoso na minha pele. Dava vontade de voltar correndo pra Minas. Mas nada como a experiência. Fui indo e com jeito me entendi com o verão. Adorar, me desculpem, não adoro. Podendo, fujo pra serra.

Todo mundo trabalhava no centro da cidade. No segundo verão que passei aqui na “pedreira” do jornal, já estava mais escolado. Fiz o mapa da sombra. Andava de um lado para outro, sempre evitando o braseiro do Sol. Sabia onde a brisa soprava. Ali na esquina do Café Simpatia, Ouvidor, Gonçalves Dias e Avenida, ali era uma brisa de lavar a alma. E ainda tinha o refresco de coco. Você abria o casaco e vinha aquela carícia.

Tão bom quanto passar na porta do cine Metro Passeio. Vinha lá de dentro aquele hálito de ar refrigerado, novidade rara naquele tempo. Anos depois, fui fazer um bate-papo na Universidade de Lovaina (é Louvain em português). Título: Sombra e água fresca. Nada melhor para falar do Brasil do que esse dístico. Passei um certo aperto. Na língua dos outros a gente não se move à vontade. Mas, aqui entre nós, tenho ou não tenho razão? É o que está na bandeira ideal do nosso coração.

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