A longa viagem, a noite mal dormida e a escala em São Paulo, finalmente o Galeão, no Rio. Entrei no táxi meio zumbi. Não foi cochilo, nem sono. Quando dei por mim, olhei pela janela e o táxi voava. Quedê a avenida Brasil? A paisagem estava longe de ser bonita. E por certo estava acima do que, na linha do horizonte, há tantos anos me é familiar. Pelo espelho retrovisor, o chofer deve ter percebido o meu espanto.
Puxou conversa e quis saber se eu estava gostando. Só então caí na real. Inauguraram a Linha Vermelha na minha ausência. Até aquele momento, a expressão Linha Vermelha no meu espírito vinha associada ao enervante engarrafamento na Baixada, a caminho da serra de Petrópolis. Agora, aquele voo tranquilo, com o panorama da favela. Vista assim, de uns tantos metros de altitude acima da autopista, já não parece a favela da Maré.
Tendo subido o morro e trocado os miseráveis casebres de madeira e lata pela alvenaria, evidente que mudou. E mudou para melhor. Se for blasfêmia, desculpem. Mas acho que foi assim, morro acima, que surgiram e se formaram muitas de nossas cidades. Se é pecado, ponham a culpa no cansaço e na diferença dos fusos horários. Me lembrei de Ouro Preto. No litoral, à beira-mar, o rio é dispensável. Basta o mar. Ou o mangue. Sua triste miséria de caranguejos humanos.
Ainda outro dia mesmo se discutia a urbanização da favela. A muita gente parecia um pesadelo. Absurdo querer conciliar a favela e a cidade. Integrá-las. Diátese, ou câncer, a favela deve ser extirpada. E começou a remoção, num projeto que aqueceu a controvérsia, mas que até certo ponto funcionou. Hoje há mais lógica na favelização da cidade. Não apenas do Rio, cenário histórico da primeira favela.
Mas de todas as cidades que crescem de maneira desordenada. Cancerígena, pode-se dizer. Chega um ponto em que não dá mais pra remover. O jeito é integrar. Afinal, a urbe nasceu da necessidade de convivência. Os homens se juntaram, gregários, para se ajudarem a viver. A difícil arte de conviver. Pois bastou abrir a Linha Vermelha para me proporcionar esse olhar novo. Uns poucos metros acima do chão, quem sabe já começou a sonhada integração. Deus queira.