Gostei dessa ideia de cortar três zeros do cruzeiro. Não é nenhum choque, segundo ouvi dizer. Deus nos livre de choques e pacotes. Já vimos que não é assim de supetão e à socapa que vamos matar o tigre da inflação. A esta altura, ele já é um animal doméstico. E talvez seja isto, o hábito de lidar com a fera, que nos faz ir vivendo num país sem moeda.

Vocês viram no Dono do mundo: a Taisinha tratou de fazer a sua mala em dólares. Exatamente como fazem os homens do narcotráfico. Ou como fazem os estelionatários que ganham com a miséria e a doença do pobre. Duzentos mil dólares o Ladislau ia pagar ao Felipe pela cirurgia. Ninguém, em meses e meses de novela, falou em cruzeiro. A ficção imita a realidade. Até o Beija-Flor, se duvidar, tinha também um doleiro para a sua poupança, que cresceu na recessão.

Em 1965, cortaram três zeros do cruzeiro e me lembro que senti uma ponta de orgulho. Pode ser bobagem, mas foi assim. Fui à Europa e lá não tinha vergonha de dizer como estava o câmbio em relação ao dólar. Depois, foi aquela degringolada. Tudo que se tem feito para acabar com a inflação tem sido um zero à esquerda, o que quer dizer que os zeros vão se juntando à direita. Fica difícil até para o computador contar essas somas milionárias que não valem dez réis de mel coado.

Não sei se você já procurou saber de onde é que veio o zero. A palavra vem do fundo dos séculos, pelo sânscrito, passando pelos árabes, que são os primeiros matemáticos do mundo. Significa vazio. Pois vamos cortar, no vácuo do cruzeiro, três vazios. No entanto, o algarismo zero é representado por um círculo, que simboliza a perfeição. Não deixa de ser curioso: a perfeição é zero. Mas é isso mesmo. O zero está próximo do infinito, que se representa com um oito deitado. Um oito são dois zeros superpostos. Ou engatados.

Não vou entrar por esse caminho numerológico porque não tem mais fim. Os maias chegaram ao zero por sua própria conta. Parece uma bobagem, não é? Pois não é. É pura especulação matemática e filosófica. Os egípcios não grafavam o zero. Enfim, três zeros a menos no cruzeiro é uma boa. Três, triângulo, trindade, tudo é perfeição. Quem sabe começa aí o fim da maldita inflação. Deus permita. Deus pode tudo — o zero e o infinito. Ou o infinito aberto e o infinito fechado. Amém.

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