Num encontro de rua outro dia, um amigo me falou da ideia que trazia na cabeça. Uma história a partir da morte do Lima Barreto e do Glauber Rocha. Como não trazia a câmera na mão, sugeri, cético, que escrevesse um romance. Isso dá samba, a gente diz de qualquer coisa. Tudo também dá um roteiro. Na hora de saltar o abismo e cair na realidade é que são elas. O ideal de fazer Cinema é um sonho que se paga caro.

Esta última frase foi escrita em 1941 pelo Vinicius de Moraes. Pode contar: 12 palavras. Duas abstratas: sonho e ideal. E Cinema vem grafado, reverencial, com “C” maiúsculo. Na poesia bastam lápis e papel, dizia o poeta. Mas cinema custa um dinheiro surdo, continuava. Membro do “Chaplin Club”, sonhava com um destino de cineasta. Quem neste século não se deixou arrebatar pela vertigem do cinema?

Sim, é por causa do Mário Peixoto que estou dizendo isso. Está aí o Oliver Stone, tropeçando em milhões de dólares com o vigor de um touro e a saúde de vaca premiada. JFK, que acabo de ver, é um tumulto que sacode as multidões do mundo todo. Não estou insinuando que o Mário Peixoto morreu em sinal de protesto. Mas ninguém melhor do que ele encarna a quimera (e a realidade) do cinema nacional. Era ou não era do Eisenstein o famoso artigo?

Isto não tem, para mim, a mínima importância. Onde acaba o terra-a-terra e começa a fantasia? Nascido em Bruxelas, educado na Grã-Bretanha, recolhido à Ilha Grande, um excêntrico ilhéu, o Mário Peixoto. Desconcertante, irmão de Pierre Menard, “autor del Quijote”. Mito e mistério, sua biografia é uma obra de arte. Num tempo de vidas escancaradas, mariposas que buscam a luz, Mário se escondia na sua concha diante do mar. O náufrago ilhado.

Nos anos 40, Paulo Emílio Salles Gomes descobriu em Belo Horizonte uma cópia de Limite. Que alívio eu senti, quando no Rio o Octavio de Faria me perguntou se eu tinha visto “o” filme! O Orson Welles tinha acabado de encalhar nas nossas praias. Aqui tudo é verdade. E tudo é mentira. Somos todos náufragos. Não há saída. Verdade? Mentira? Mentira e verdade. Ficção e realidade. Penso no Humberto Mauro, no Lúcio Cardoso ― sua longínqua A mulher de longe. Bela metáfora, o Mário Peixoto. Acusa e absolve.

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