Comemorando os 50 anos de vida literária do autor (Nossa Senhora, como o tempo voa!), saiu agora a 16ª edição de A mulher do vizinho, com uma capa que não é lá essas coisas, mas enfim passa. Está nesse livro a crônica “Império da lei”. É o diálogo entre uma parte e um advogado da prefeitura. O advogado invoca a lei para negar o que está sendo pleiteado e a parte explica que nada disso, essa lei não pegou. Quer dizer que lei é como vacina?

Exatamente. Umas pegam, outras, não. Aquela tal, por exemplo, não houve jeito de pegar. Mais de uma vez o Fernando atribuiu a mim essa história de lei que pega e que não pega, tão comum na hermenêutica brasileira. Como sou do suum cuique (nada como a “boca de foro”, que pede um latinório), sempre sustentei que a anedota é do Genolino Amado, que era um excelente contador de histórias.

Com o tempo a historinha pegou de tal maneira que caiu no domínio público. Não é de ninguém. Ainda agora vejo-a citada pelo Austregésilo de Athayde. Mais velho do que este século 20, o Austregésilo é um otimista empedernido. Só perdeu a serenidade; e com todíssima razão, quando veio aquela bobagem do bloqueio dos cruzados. Isso não se faz, disse ele, exaltado. E não se faz mesmo. Mas se fez, porque no Brasil lei é como vacina. O mesmo Austregésilo lembra a propósito uma outra frase que ajuda a definir a nossa querida pátria.

Mais antiga, foi o Metternich quem disse, quando soube que Pedro 1º tinha proclamado a nossa independência. “O Brasil é um país em que todos mandam e ninguém obedece”, sentenciou o autoritário chanceler austríaco (que o Kissinger quis imitar). Otimista, apesar de tudo, o Austregésilo aposta que o Brasil dentro de 50 anos não só estará entre as grandes potências, como será a maior de todas. Eta ferro! E ele estará firme aí para saudar esse tempo grandioso.

Digam o que disserem, o Brasil é de fato um país legal. “Legal” no sentido coloquial que tem hoje esta palavra. Quando uma coisa é boa, dizemos que é legal, mesmo que seja contra a lei. Um país que injeta cocaína em balas da porta dos colégios é ou não é legal? Estão vendendo saguim oxigenado como se fosse mico-leão dourado. Legal! O cruzeiro não vale nada e você cobra o preço que quiser. Legalzinho. Tudo aqui é o maior barato. Legal, não é? Sabemos curtir a vida. Aqui ninguém precisa de lei. Aliás, nem de vacina. Fu! Fu! Fora o emendão!

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