Quando topamos uma boa coincidência, por um momento o "vento da asa da imbecilidade" roça por nossas orelhas em pé. Mudam-se os planos habituais do conhecimento como numa acrobacia aérea; contemplamos um mundo de cabeça para baixo.
Pouco mais do que menino, costumava pensar com fascinação no naufrágio do Titanic, que foi uma espécie de fantástico prólogo emotivo à insegurança da vida moderna. No meu devaneio imaginava o fatídico iceberg no mesmo instante em que se desprendeu da geleira, ganhando uma corrente marinha e começando a percorrer lentamente o mar, enquanto os passageiros do luxuoso transatlântico dançavam e bebiam. Esse encontro marcado, ou coincidência, exercia sobre mim medo e fascínio, que andam sempre juntos por sinal.
Quase vinte anos depois, lendo uma antologia de versos ingleses, encontrei exatamente o teor da minha fantasia infantil poematizada pelo grande Thomas Hardy. Foi aí que senti a viração da idiotice: tratava-se duma coincidência a respeito da própria divagação que buscava surpreender na catástrofe uma coincidência do fado.
Lá estava no poema de Hardy o Titanic crescendo em tamanho e graça nos estaleiros, enquanto longe também crescia em silêncio o iceberg; parecessem embora estranhos um ao outro, estavam indissoluvelmente ligados, e seriam em breve as metades gêmeas dum augusto acontecimento. Quando as fiandeiras do tempo dissessem "Agora!".
Alguns anos mais tarde, tomei conhecimento duma anotação do poeta Alexandre Blok no dia 5 de abril de 1912: "O naufrágio do Titanic me trouxe ontem um júbilo indizível: então ainda existe o Oceano!" Era uma palavra dura e impiedosa, não apenas para as vítimas do naufrágio, mas para toda a humanidade; o júbilo vinha da esperança de vislumbrar a mão do destino na tragédia; pelo menos no sofrimento haveria uma lógica obscura, um encadeamento de coincidências. Essa esperança-desesperada, tentativa de interpretar o texto funesto que nos precede, de negar a gratuidade cósmica, existia igualmente, embora não explícita, no poema de Thomas Hardy. É o próprio poema, creio.
Agora, há pouco tempo, li Le matin des magiciens, de Louis Pauwels e Jacques Bergier, e fico sabendo o seguinte: em 1898, o americano Morgan Robertson, autor de ciência-ficção, descreveu o naufrágio dum gigantesco navio com estas características: deslocava setenta mil toneladas, tinha oitocentos pés de comprimento, três hélices. Esse transatlântico transportava três mil passageiros em sua viagem inaugural, quando numa noite de abril bateu num imenso iceberg, indo ao fundo. Seu nome: Titan.
O Titanic deslocava 66 mil toneladas; tinha 828 pés de comprimento; três hélices; transportava três mil passageiros quando numa noite de abril...
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Lembrei-me de escrever sobre coincidências (James Joyce as amava e o psicólogo Jung buscou-lhes um sentido) logo depois duma conversa com Ziraldo, que me disse: "Rapaz, estou querendo te encontrar há alguns dias. Você escreveu que uma vez, ouvindo um saxofone na estação de Nova Iguaçu, adivinhou o resto de sua vida. Pois aconteceu o mesmo comigo, também no velho trem de Minas, ouvindo um regional. Só que eu não sabia que tinha adivinhado o resto de minha vida. Mas agora sei que aquilo que senti era o resto da minha vida."