Jean Cocteau aconselhava aos jovens escritores que fizessem a seguinte invocação: livrai-me, Senhor, de escrever o livro esperado.
Na verdade, o livro esperado é uma tentação muito veemente. Há um estilo esperado, há um ritmo esperado, há imagens esperadas, adjetivos esperados. Há sobretudo ideias, sentimentos e emoções ansiosamente esperados. Em resumo, quer nos círculos em que os best-sellers triunfam, quer nas rodas intelectuais mais requintadas, há em cada época, um conjunto de necessidades ideais ou estilísticas que configuram as obras antes que elas sejam escritas. Escrevê-las, o que é um certo modo plagiá-las, é tornar-se imediatamente um contemporâneo. O contemporâneo não precisa entregar-se ao hábito de pensar: tudo está pensado para ele. Não precisa encontrar a sua forma, o seu estilo: ambos estão feitos. O contemporâneo, entretanto, é um ser de excepcional habilidade: tem um invejável faro, um instinto apurado. Ele equaciona o seu problema pessoal nos seguintes termos: produzir a obra que não seja uma cópia de outra qualquer, mas que obtenha resultados idênticos àqueles conseguidos por este ou aquele livro já consagrado manifestamente.
Outra questão se coloca diante do contemporâneo: para acertar mais de cheio no alvo, ele deve distinguir o seu público.
E ele o escolhe entre a meia dúzia de grupos que reconhece, separadamente, a meia dúzia de escritores mais expressivos ou mais aclamados. Em outras palavras, o contemporâneo visa penetrar clandestinamente numa freguesia alheia, obtendo para si um pouco dos aplausos que um escritor mais antigo monopoliza totalmente. Sendo esperto, ele consegue imediatamente atrair a simpatia de um grupo, um grupo inexoravelmente convicto de suas ideias morais, estéticas e políticas.
E como os grupos mais avançados de uma época se não se admiram pelo menos se respeitam mutuamente (porque é necessário não dar força aos passadistas), o contemporâneo começa a ser um escritor respeitável. Passa, então a escrever em série obras para um “leitorado” fixo, pré-existente.
O contemporâneo não aventura nunca, acerta sempre. Hoje, no Brasil, ele jamais escreveria uma “Ode a Júpiter”: não há público. E jamais lhe passa pela cabeça que uma boa “Ode a Júpiter” poderia criar um público, o seu próprio público.
Não, ele percebe de que forma deve escrever: não percebe nunca de que forma poderia escrever. O seu grande sinal, o que o caracteriza como a cruz ao cristão, é o automatismo: ele responde mecanicamente ao que se espera que se diga. Nisto, é inexcedível. O que ele não consegue transpor é a sua época.