Estamos vindo de um apartamento da rua Roma, em Paris, para esta crônica. Da casa de Stéphane Mallarmé, contada por Camille Mauclair. Apartamento modesto, em um quarto andar, o que um repórter achou chétif, o que acabrunhou muito Madame Mallarmé. Nas paredes, entretanto, há belos quadros: uma paisagem de Monet, um esboço do Manet, uma água forte de Whistler, uma aquarela de Berthe Merivot. Não nos impressionemos, porém: estes quadros passavam por não ter valor algum. Com exceção de uma ninfa de Rodin, tudo o mais que há nesta casa são ninharias de pessoas amalucadas. Amalucados também os rapazes que a frequentam, jovens artistas e literatos preocupados em renovações extravagantes. Há um menino de rosto magro e pálido, com uma voz sarcástica que cita Goethe e Novalis: é André Gide. Há um grã-fino, de beleza feminina, algo precioso cheio de mesuras: é Pierre Louys. Um dia Pierre Louys apresenta um outro moço, muito tímido, do olhar místico: é Paul Valéry. E há outros: André Fontainas, Edouard Dujardim, Redon... O jovem médico vem por causa da filha de Mallarmé. Do humilde ator, que não fala a ninguém e a quem ninguém fala, não sabe justificar como, quando e porque apareceu. De vez em quando, surge o pintor Whistler, o crítico Artur Symons, o poeta Stefan George e Brandes. Paul Claudel, muito raramente. Verhaeren e Jules Laforgue comparecem mais assiduamente. O músico tido como louco é Debussy. Uma noite anunciou-se a visita de Oscar Wilde. Antes que ele chegue, Mallarmé recebe um bilhete de Whistler: “Wilde irá a sua casa. Esconda a prataria”.
Nestas reuniões, além de um cálice moderado, não se bebia mais nada. O tóxico aqui é o próprio tema das conversas. Provoca-se o dono da casa e ele começa a falar. O que ele fala, com o pouco que ele escreve é o suficiente para inventar um novo universo. Ele coloca o pequeno e realmente seleto auditório em “estado de poesia”. São os iniciados de uma religião pouco conhecida: a literatura. Aqueles moços, ao deixar a casa do mestre estão atacados de um respeito fanático pela página em branco. Na verdade, aquelas reuniões eram a “saída” de Mallarmé, preso a vida inteira a um cargo humilde de professor. Como diz Mauclair, Mallarmé continha um potencial formidável de sonho acumulado. Um eco ligeiro deste sonho é que chega até nós, frequentadores um pouco atrasados do número 89 da rua de Roma.