A penosa urgência de mudar de casa levou-me às páginas de anúncio dos jornais. Má leitura, me deixou um medo vago da pobreza. Não tenho especial apego pelos bens terrenos (nem tampouco muita esperança nos celestes). Pensando melhor, não tenho bens terrenos. Alguns livros, a máquina de escrever e uma saúde regular. Mas o domingo estragou-se nesse encontro das pequenas misérias dos desempregados com a mesquinhez dos que oferecem alguma coisa. O homem feliz, de certo, nunca teve a necessidade de procurar essas páginas em que os empregos, as habitações e objetos são oferecidos em palavras mentirosas.

Deve ser muito difícil obter uma colocação dessas, porque exigem coisas, muitas coisas, muita prática, boa aparência, fina educação, domínio de vários idiomas, boa redação, boa caligrafia, dinamismo, espírito de iniciativa, honestidade, conhecimentos de contabilidade, da topografia da cidade, das leis fiscais e trabalhistas e aptidões gerais. Estou procurando é apartamento, mas, como não sei, não sou e não tenho nada disso, nem mesmo em grau muito desenvolvido a virtude primária da honestidade, acabei humilhado. Exigem qualidades, horário integral e talvez submissão às impertinências de um chefe por um ordenado baixo. Alguns dizem que pagam bem, mas outros confessam logo, e a gente vê que pagam mal. Pelo melhor dinheiro oferecido, três mil cruzeiros, uma companhia de aviação procura rapazes de 20 a 28 anos, brasileiros, reservistas, com curso secundário completo, datilógrafos, falando correntemente inglês, carta do próprio punho dando qualificações pessoais e a experiência que possuem. Como se vê, trata-se de um concurso. Mas não é só, também pedem uma foto recente. Um moço com aquelas qualidades todas, ótimas qualificações pessoais e umas espinhas no rosto não conseguiria o lugar.

E tudo o mais é impiedoso nessas páginas, tudo tem um ar de coisa inatingível. Hoje, no Rio, as classes médias e proletárias vivem sempre aquém do que precisam, da moradia, da alimentação, do vestuário. Restam-lhes apenas duas coisas básicas, que são de graça: o ponto de apoio e o oxigênio do ar. Essa linguagem, no entanto, faz torcer o nariz às classes produtoras. Pensam que é comunismo.

*

“Antigamente, eram necessárias três semanas para atravessar o oceano e um dia para tirar passaporte; agora precisamos de um dia para atravessar o oceano e três semanas para tirar passaporte” (Gina Kaus, escritora) ― “Errar não é só humano: é também agradável” (Mae West).

paulo-mendes-campos
x
- +