Chama-se Almerindo e, como morasse na rua Tupinambás, em Belo Horizonte, nós o chamávamos Almerindo Tupinambás. Seu grande orgulho era falar bem francês: nem mesmo chegava a falar mal. Inflamava-se até o desvario com discursos de propaganda política: em um comício, era José Américo, para aderir apaixonadamente e Armando Sales no outro comício. Suas convicções políticas sempre datavam do último comício.

Uma noite, depois de um meeting pró Armando Sales, nós o convencemos de tomar a palavra. Almerindo subiu a um banco de praça pública e começou a falar, enquanto íamos à venda mais próxima comprar ovos podres. O primeiro ovo acertou-lhe nas costas, bem ao meio de uma metáfora. Ele imobilizou no ar o gesto oratório, depois, patético, levou a mão às costas e exclamou: “Miseráveis! Um atentado...”

E rolou de borco, em um desmaio sincero.

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Fernando Sabino tomou um bonde no Leblon, ao lado de um estafeta. O condutor chegou-se para este e perguntou: “Como é que é? Você vai ou não vai jantar comigo”? O homem fez um sinal de indecisão. 

Cobrou mais algumas passagens e voltou: “Resolveu? Olha que o franguinho está esplêndido”! E continuou trabalhando. Daí a pouco “Como é, rapaz? Será que você não quer? Lembre dos torresminhos. E tem também uma farofinha de ovo”! E o estafeta: “O diabo é que minha mulher está me esperando”. O condutor foi cobrar uma passagem lá na frente, conversou um pouco com o motorneiro e voltou com novo argumento: “Vou comprar um vinhozinho. Ou você prefere cerveja?”.

Aí, Fernando Sabino entrou na conversa: “Francamente, eu já teria aceitado há muito tempo: só os torresminhos já me levavam”. E o condutor: “O senhor, então, também está convidado; é só ir até o tabuleiro, voltar, ir ao tabuleiro, voltar, ir ao tabuleiro, voltar, ir ao tabuleiro, voltar, e ir ao tabuleiro. Depois, a gente pega um Cascadura e vai jantar”.

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Foi o próprio Fernando Sabino que nos contou a opinião do escritor Adonias Filho sobre o Esperidião: “Depois de terminar o livro, fiquei achando que é o Benedito que retoca os livros do Sabino”.

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Menininha só sabe contar até três. Se quer muitas balas, pede três. Se uma pessoa é muito velha, tem três anos.

Seus pais vieram de Minas e levaram a garotinha para ver mar. Ela olhou, olhou, talvez se lembrando do lago da Pampulha, e falou: “Mamãe, o mar é 3”.

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Um conhecido nosso, além de ser vago e difuso como o próprio éter, passou quase dez anos no estrangeiro. Aqui no Rio, convidado para jantar com um velho companheiro, cometeu durante três horas intensas a mesma gafe: acredite quem quiser, não percebeu que o amigo tinha trocado de esposa (o que se deu há quatro anos), chamando a nova pelo nome da antiga, chegando ao incrível de lembrar episódios comuns...

A certa altura, a moça não aguentou mais: 

― Você está enganado: eu não sou Fulana.

E o infeliz, suando frio em estado mural de absoluta miséria:

― Oh, mil desculpas, mil desculpas, mas vocês duas são iguaizinhas. Nunca vi nada tão parecido.

O que é, garantimos por nossa vez, pura verdade.

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