Estou limitado ao norte por um botequim, ao sul por uma construção, à oeste por um buraco aberto no asfalto, à leste por uma tinturaria. O botequim encerra suas ruidosas atividades às três da manhã; a turma do batente começa, sem piedade, às oito, com martelos, marretas, serrotes, serra circular e outros instrumentos de tortura; a tinturaria tem um som ritmado e surdo; o buraco na rua, lembrança permanente do sr. Vital, é uma espécie de armadilha para veículos; quando passa um caminhão, o mundo vem abaixo.

Resta-me uma curta franja de tempo para sono. Devo dizer ainda que moro em um apartamento magnífico como condutor de som. Às vezes tenho uma saudade cruel do campo, do barulho honesto dos sapos, do ruído bom de água a escorrer: saio de madrugada, vou dar uma volta na praia. E o silêncio do espaço infinito me descansa.

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A esposa de um conhecido romancista disse para o filho, de nove anos: “Você devia sentir vergonha, meu filho: seu pai é um escritor famoso, conhecido até no estrangeiro, e suas composições vivem cheias de erros horríveis”. E o menino:

― A senhora está enganada, mamãe: papai não é conhecido coisa nenhuma. Lá na escola ninguém sabe quem é ele. Escritor lá é Olavo Bilac e Castro Alves. E os livros de papai são de capa mole! Escritor de livro de capa mole, feito papai, não presta, não, mamãe.

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O sr. Flores da Cunha estava jogando pôquer, perdendo muito. Atrás dele, estava um cidadão peruando, torcendo para ele. Em uma parada alta, o deputado saiu de cara com os quatro ases. O Peru desabrochou em um sorriso feliz. O sr. Flores da Cunha, descartou três cartas e disse ao Peru, que contemplava a jogada, apalermado: “Sofre, Peru”!

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Um conhecido médico foi a um barbeiro português. Este, enquanto trabalhava, começou a contar sua vida: tinha começado seus estudos de agronomia no Porto: “Desisti do curso e resolvi abraçar uma profissão decente”. “E agronomia não é uma profissão decente”? Não ― respondeu o outro ― porque todo doutoire é ladrão: os médicos, os advogados, os engenheiros, os dentistas, os agrônomos, os veterinários, todos eles são uns ladrões muito sem vergonha.

Ao levantar-se da cadeira, o médico perguntou: 

― E eu, o senhor me acha com cara de um doutor?

― Absolutamente: com o sinhoire a gente vê logo que se trata de uma pessoa honesta.

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A empresa Editorial Peuser anuncia que no dia 16 do corrente será posto à venda um livro de autoria da senhora Eva Perón, sob o título: La razón de mi vida. A editora aconselha o público reservar com antecedência seus exemplares.

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