Em outros tempos via-se o futebol; agora, eles entendem de futebol. Há alguns anos que deixei de frequentar pontualmente os campos, oito ou mais. Os jogos espaçados, a que assisti, me deixaram a convicção de que as coisas mudaram. Pelo menos, por não ser mais assíduo, não fui pouco a pouco me conformando com o novo estilo. Sou fiel aos tempos em que o futebol era um espetáculo e não um teorema.

A começar pela torcida... Se ela não chega a ser intoleravelmente polida, como acadêmicos ouvindo um discurso do sr. Olegário Mariano, são os assistentes agora disciplinados pela impossibilidade de comunicação com o campo, sem exaltações, sem manifestações de humorismo ou de raiva, de inconformismo ou de alegria.

As proporções dos estádios põem o torcedor em uma atitude desamparada e meio triste. O gramado está tão distante que todo mundo fica com cara de bobo. Torcer é ter a impressão de que a gente poderia alterar a marcha das jogadas. Ninguém gritará “mete os peitos, Ademir!” — se não estiver misteriosamente convencido de que isso dará um calor mais árdego às pernas dele. De que adianta agora berrar “corre, pelo amor de Deus, Ipojucan!” — se ele não ouvirá o nosso berro? De que vale clamar, se esse clamor não vai chegar até os ouvidos do nosso time?

É como se contemplássemos o jogo no cinema, tudo longe, chocho, inapelável. A torcida é impotente e paralítica.

Ao que parece, no entanto, não são apenas as dimensões dos estádios que a obrigam a esse silêncio pateta: são também as consequências da burocracia em que se encravou o futebol atual. O público foi extensivamente educado para essa pasmaceira.

Nas grandes tardes de antigamente, o futebol era disputado no pé e no peito, no chute e na alma. O de hoje está para o daquele tempo como uma briga no Vogue está para uma demonstração de judô na Associação Cristã de Moços.

Sim, o jogador cava, corre, sua a camisa, mas corre, cava e sua como qualquer datilógrafa ciosa de suas obrigações. Não há amor no trabalho, é tudo desapaixonado e seco.

O futebol de hoje tem a monotonia de uma repartição pública. Muito mais perfeito! Muito mais cerebral! De uma perfeição de processo administrativo, de um cerebralismo enjoado de escritor adolescente.

Os jogadores assinam o ponto, cumprem o regulamento, respeitam o sr. diretor, satisfazem os 90 minutos de expediente. Um gesto de disciplina vale mais do que um passe na boca da botija: a obediência aos planos, previamente organizados, é mais importante do que a vitória. Quando alguém carrega, com uma certa fibra, há uma indignação geral: as pernas dos jogadores estão avaliadas em milhões, como as de Mistinguett há um século atrás.

O chefe implacável dos jogadores, como em geral os chefes de repartição, não comparece ao expediente: é o TÉCNICO. Ele prepara o serviço com antecedência. Os funcionários nada mais devem fazer do que executar, com a caligrafia limpa, a tarefa confiada. O pavor do craque é desagradar o técnico. Uma faltazinha e é a demissão, o demérito no boletim, é não ser incluído nos jogos de escrete, que são os serviços extraordinários do futebol.

Agora quem joga é o técnico, o supertécnico! Este, com a nova escola, goza uma dupla vantagem: insere em sua folha corrida as vitórias e põe nos funcionários a culpa das derrotas.

Anteontem, por exemplo, tive a sensação de ter visto dois jogos. O primeiro, chão, e cacete, jogado pelos irmãos Moreira: foi o primeiro tempo, um primeiro tempo disputado à boca dos dois túneis, pelos dois técnicos. Os jogadores, de ambos lados, estavam apenas em campo para lavrar as portarias, expedir os memorandos, as circulares, as ordens de serviço, as designações, os protocolos dos técnicos.

Para esse tipo de futebol, os olhos são inúteis. É ele assistido no cérebro de cada expectador, cuja diversão é cotejar o que pretendem tática e estrategicamente os dois magnânimos técnicos. Futebol, Leonardo, também é coisa mental.

Quem, como eu, não possui tirocínio da coisa, tem que recorrer à cultura do torcedor vizinho?

— Por que ele não chutou?

E o torcedor informa triste e corretamente?

— Não tinha volume, embora a profundidade fosse boa.

E brado:

— Por que ele não entrou e impediu o gol?

E o torcedor, impávido:

— Porque Zezé Moreira marca por zona. Não acabava de crer nas coisas que ouvia em torno de mim: “Aimoré está poupando Julinho nas investidas rápidas...” “Zezé Moreira está entrando muito pela esquerda...”

O primeiro tempo acabou com a vitória de Aimoré por um a zero. Já o segundo, os técnicos, já talvez eles mesmos aborrecidos daquele futebol puxa-puxa, delegaram poderes especiais aos craques. Por especial deferência ao público e aos pupilos, os técnicos permitiram que seus 22 funcionários jogassem um pouquinho de futebol. A partida ganhou vivacidade. Não muito, mas o suficiente para dar a todos uma saudade insolúvel das botinadas de antigamente, quando ainda não havia trabalhismo no futebol.

paulo-mendes-campos
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