Manhã de junho, tépida e azul. Há melodias angélicas de Mozart na brisa. No rádio do vizinho, pelo menos.

O jornalista se levanta e vê que o mundo é bom e funciona. O sangue, os pulmões, o fígado, tudo trabalha e canta; em torno dele, imponderável e harmonioso, o Brasil funciona e canta e trabalha. Razões sutis tiveram no fundo Pangloss e o conde de Afonso Celso: a vida é excelente, o Brasil é excelente.

A empregada lhe serve o café, pão imaculado, manteiga saborosa, leite gordo, ovos recém-nascidos.

O jornalista se senta diante da máquina e vai num allegro pelas teclas, compondo o elogio da pátria, do progresso e da vida. Pagam-lhe bem para testemunhar cada dia a sua gratidão pelo mundo.

O telefone toca. É o ministro perguntando se ele quer ir à França, em comissão do governo. Coisa suave como todas as comissões do governo. O jornalista declina polidamente o convite e exclama em voz alta: “Esse ministro tem cada ideia”!

O jornalista se mete em seu calção estampado e vai à praia que cheira a peixe e felicidade. Os brotos o envolvem como galinhas matinais cercam a mão que lhes traz o milho todos os dias. Querem autógrafos. Como o jornalista não dispõe de caneta no momento, beija-lhes face com afeição.

O jornalista volta à casa. O telefone de novo. É a Betina. Essa mulher não me deixa em paz! Está bem, na próxima semana marco um encontro contigo.

O banho. Do chuveiro jorra uma água cálida. Vem o almoço. A cozinheira está inconsolável porque não encontrou patê francês. Mas francês temos o vinho; nacionais, as lagostas pernambucanas, o frango fluminense, o lombinho mineiro, coisas finas e fartas.

O jornalista segue para a cidade no seu carro. Assoviando, diga-se de passagem, uma ária da Tosca. Passa pela redação do jornal. O gerente o saúda de braços e sorriso abertos. “Não quer receber agora? Quem sabe gostaria de uma gratificaçãozinha? Um adiantamento”!

A vida, iria ele pensar ao recolher-se, tem para uso seu uma filosofia: dinheiro demais não traz felicidade.

Depois é flanar pela avenida, gozar a fresca das marquises, bater papo com os amigos, entrar em um cinema.... Em uma palavra, VIVER! ― Como dizia em maiúsculas o bom e ingênuo Graça Aranha.

Para o jantar e boate, o jornalista já tem programa, tem Esperança Gatto, que é esgalga como um lírio, de lábios sumarentos como os vinhos bíblicos.

O jornalista agradece a cortesia e recusa, não é boa, é magnífica.

paulo-mendes-campos
x
- +