Conheci-o em Paris. Amigos brasileiros haviam me sugerido que fizesse uma entrevista com ele. Chamava-se Pablo e tinha um sobrenome inglês de que não me lembro mais. Pelas conversas que tivemos, vi que ele não tinha nenhum desejo de publicidade, e mostrava mesmo a intenção de não revelar particularmente a sua vida.
Quando me apresentaram a ele, eu estava em companhia do Novais e do Antônio, dois bons portugueses. Vi Pablo discretear com os dois no melhor léxico lusitano com a mais pura prosódia lisboeta. Informado de minha nacionalidade, dirigia-se a mim em “brasileiro”, melhor, em autêntico “carioca”; sem sotaque, sem aquela sintaxe dura e correta dos poliglotas de gramática. Mais que isso, estava em dia com a gíria.
Fui informado de que falava alemão como os alemães e com igual perfeição e naturalidade, o inglês, o francês, o espanhol, o italiano, o russo.... Mais tarde, tive ocasião de vê-lo conversar em quase todas essas línguas.
Não falava muito sobre si mesmo, não respondia direito às perguntas diretas sobre o seu pessoal. Estava começando a ficar lendário em Saint-Germain-des-Prés.
A maioria concordava em que ele estava morto, daí esse segredo, esse mistério. Contavam que Pablo tinha fugido às mãos da Gestapo, durante a guerra, tendo sido o seu “cadáver” amontoado entre outros corpos em um caminhão, identificado e enterrado em Berlim. Pablo, então, teria guardado da Gestapo um terror pânico, que não se desfizera com a vitória dos aliados.
Outros acham o contrário: ele pertencia à Gestapo.
Há os que julgavam tratar-se de um agente do Intelligence Service; há os que preferem a F.B.I. e, naturalmente, os que viam nele o perigoso sabotador russo. Eram muitas versões, inúmeras, tendo um espanhol jurado para mim que o rapaz era um republicano procurado pelo ódio dos falangistas.
Pablo não tinha dinheiro, pelo menos, mostrava-se pobre como todos os boêmios de Saint-Germain. Era cordial, gostava de prestar favores, tinha a voz rouca e uma cabeleira alvoroçada. Com toda a sua sabedoria linguística, dizia-se à procura de emprego. Não demonstrava qualquer outra indisposição contra a sociedade do que a de se embriagar todas as vezes que lhe era possível.
Uma vez, contou-me casos do Rio. Como eu estranhasse, disse-me que conhecia muito bem o Brasil e o provou cabalmente. Disse-lhe por brincadeira que ele era carioca e do Méier. Pablo riu muito e respondeu: “Quem sabe”?
Ontem, eu o vi aqui no Leblon, o andar calmo, roupa escura, os cabelos um pouco mais penteados do que de costume. Não posso dar minha palavra de honra que haja me reconhecido, mas é bem possível. Olhou-me durante um segundo e seguiu na direção de Ipanema. Fazer o quê? Não sei. Pelo menos, fazer um grande mistério em torno de sua vida.
Nota: Título atribuído por Humberto Werneck à crônica identificada na base de dados da instituição como “Conheci-o em Paris".