Na velha cidadezinha mineira de São José del-Rei (mudada hoje, na expressão de Mário de Andrade, para um odontológico Tiradentes), e cujo prefeito recebe 900 cruzeiros mensais, há mais casas do que inquilinos.
Estudante de ginásio, em São João del-Rei, passei de trem por lá muitas vezes. Quando o comboio se aproximava, os passageiros mais experimentados levantavam de seus lugares, disfarçados, e iam para a plataforma. Por quê? Porque em Tiradentes tinha uma velhinha de gênio que confeccionava as melhores empadinhas de galinha do mundo inteiro. E as empadinhas não chegavam para as encomendas.
A mulher era de uma honestidade exemplar. Cobrava apenas quinhentos reis pela empada e se recusava terminantemente a concordar com aqueles que desejavam, egoisticamente, todo o tabuleiro. Mesmo que dessem o dobro.
― Todo mundo tem direito, uai!
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Na estação de Burnier havia baldeação e pastéis. É histórico um acontecimento já distante no tempo. Uma delegação de estudantes de farmácia de Ouro Preto entrou na venda da estação, devorou os pastéis, e voltou ao trem, sem pagar. Alegre estudantada de moços e moças. Mas o dono da venda ficou caindo pelas tabelas e aguardou, pelo jornal, a volta do grupo. Dobrou o número dos pastéis naquele dia. O trem chegou, os estudantes caíram nos pastéis e voltaram, rindo, para o carro.
Uma hora depois o carro em que estavam tinha de ser desligado da composição para ser substituído por um carro decente. O dono da venda tinha botado jalapa nos pastéis, planta que na Farmacopeia Brasileira é conhecida pelo nome de Exogonium purga.
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Passei uma tarde bebendo pinga com um poeta de oitenta anos, em Santa Luzia. Ele me conta com amarga saudade coisas de seu tempo.
― Aqui em Santa Luzia tinha uma vida intelectual impressionante! Hoje é essa pasmaceira que o senhor está vendo.