Do livro de Chuang Chou, filósofo chinês que viveu trezentos anos antes de Cristo:

“Uma vez Chuang Chou sonhou que era uma borboleta, adejando aqui e ali, tal e qual fosse realmente borboleta, cônscio de seguir as inclinações desta. Ela não sabia que era Chuang Chou. De repente, acordou e, evidentemente, ele era Chuang Chou. Mas agora não sabe se ele é Chuang Chou que sonhou que era uma borboleta ou uma borboleta a sonhar que é Chuang Chou”.

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Conta-nos uma senhora americana que, há trinta anos, casou-se nos Estados Unidos com um brasileiro e para aqui se mudou. Sonhava um Brasil romântico, bastante mexicano, sonhava sobretudo com as serenatas que os rapazes faziam pela madrugada. Foi morar em Botafogo e os dias passavam sem novidade. Os meses passaram, passou mais de um ano. Até que uma noite, bem debaixo de sua janela, ouviu música e vozes que cantavam. Levantou-se, pressurosa, e foi ver através das frestas da persiana os seresteiros tropicais. E viu três rapazes sentados na calçada, fumando tranquilamente, enquanto uma vitrola manual ia tocando os sucessos da época.

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O poeta da nova geração foi fazer uma visita ao escritor de cinquenta anos. Tímido e respeitoso a princípio, ao fim do terceiro uísque resolveu fazer a confissão de seu recôndito segredo. Que era, sem tirar nem pôr, apenas isto:

― Eu sou um gênio.

E demonstrou o que dizia. Talento muita gente possuía. Ele, não, tinha gênio, que esperassem os seus livros e vissem.

O escritor de cinquenta anos concordou amavelmente:

― Ah, está perfeito. Mas ao fim daquele terceiro copo, perguntou ao gênio o que ele achava de irem os dois a um bar de Copacabana. Chamou o táxi pelo telefone. Entraram. O motorista era um português de bigodes grisalhos. O escritor de cinquenta dirigiu-se ao lusitano:

― Por obséquio, o senhor já ouviu falar em Adelino Peixe?

O motorista tirou o gorro passou a mão pelos cabelos:

― Adelino Peixe? Adelino Peixe? Não creio, doutoire.

Tornou o escritor:

― Pois é este rapaz que está a meu lado.

― Ah, muito prazeire, disse o motorista.

Perguntou de novo o escritor:

― E o senhor já ouviu falar em Luís de Camões?

― Como não, doutoire? O grande poeta patrício.

Vira-se o escritor de cinquenta para o poeta da nova geração:

― Ouviu isto? Pois fique sabendo de uma coisa: gênio é Camões, você é uma besta, uma besta quadrada. Eu não lhe disse isto lá em casa porque respeito os meus hóspedes.

E repetia:

― Gênio é Camões, você é uma besta, gênio é Camões, você é uma besta...

Até sentir-se aliviado. Virou-se, então, outra vez ao motorista e ordenou:

― Agora, o senhor faça uma volta e me leve de novo para casa; eu lhe pago adiantado e, depois, o senhor leva a besta a Copacabana.

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