Uma noite, uma família que viajava na Ucrânia desembarcou em uma aldeia. Aí nasceu um grande escritor brasileiro, cujos pais demandavam Odessa, de onde emigrariam para o Brasil.

Clarice Lispector está de novo no Rio para uma curta temporada de férias. Veio de Washington, para onde volta.

Até 12 anos, Clarice viveu no Recife, onde chegou com alguns meses de idade. Ainda menina, depois de ter ido a um teatro, escreveu uma peça de três atos, em duas páginas arrancadas de seu caderno escolar. A obra foi escondida atrás dos livros de uma estante, revelando-se desde já as duas forças que a comandam: Lispector: a vocação literária e o recato.

No Rio, para onde se mudou, Clarice Lispector estudou direito. O direito penal a entusiasmava, talvez porque no tecido dos artigos punitivos, ela encontrasse, não a letra, mas o espírito das situações fundamentais que perturbam o homem ― o coração selvagem. Seu primeiro e único trabalho universitário, perdido em uma revista, tem o título de “Observações sobre os fundamentos do direito de punir”.

Clarice Lispector leu desordenadamente como todo mundo que lê e aproveita alguma coisa. O lobo da estepe, de Hermann Hesse, é o seu primeiro impacto literário.

Seu primeiro romance, Perto do coração selvagem, publicado há doze anos, descobriu um grande romancista. O título estava contido em uma frase de James Joyce, que ela gostaria de ter escrito: “Ele estava só. Estava abandonado, feliz, perto do coração selvagem da vida”.

Acompanhando o marido diplomata, a escritora viveu em Berna, Nápoles, Torquay (no sul da Inglaterra) e vive em Washington. Chirico fez o seu retrato; Ungaretti verteu para o italiano vários capítulos de seu primeiro romance.

Depois do primeiro, mais dois romances: O lustre e A cidade sitiada. E além destes, uma pequena coleção de meia dúzia de contos, publicados nos ‘Cadernos de Cultura”, seis obras-primas que se chamam: “Mistério em São Cristóvão”, “Os Laços de família”, “Começos de uma fortuna”, “Amor”, “Uma galinha”, “O jantar”.

Comparada muitas vezes a Virginia Woolf, não é nada disso: é Clarice Lispector. Sua grande admiração não é Joyce mas um escritor que não admirava os livros de Joyce: D. H. Lawrence.

Relativamente, pouco se conhece Clarice Lispector: a culpa em parte é dela, que se esconde atrás da estante; em parte, é nossa, de todos nós, que escrevemos mal e invejamos o seu estilo.

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