11 set 1954

[Guerra no colégio 3: uma jornada de bravos]

Atenas era cumulada de todas as glórias; Esparta estava reduzida a seu amor-próprio, que é também um fermento de energia, uma atmosfera moral favorável ao desenvolvimento de uma personalidade, de um caráter, de uma revolta.

Os atenienses eram belos e bem nutridos, sábios, inteligentes, satisfeitos de si mesmos, tranquilos. Os espartanos não eram nada, apenas se firmavam na quase-adivinhação de que uma injustiça se consumara, a despeito de nossa vontade e antes de nossa consciência dos fatos que nos separavam em duas classes. A vaga e poderosa intuição infantil levou-nos a união e à resistência, em vez de impelir-nos à imitação dos meninos ilustres e doados de todas as virtudes.

Aos poucos, os espartanos descobriram em si mesmos uma energia desconhecida, que não tinha nome naquele colégio, mas que vivificava seus corações. Foi uma reação de uma profundidade que passou despercebida por todos.

À virtude de Atenas, opúnhamos os nossos vícios; à aplicação ateniense nos estudos, respondíamos com o nosso desprezo pelos valores intelectuais; aos doces e às conservas, Esparta replicava soberbamente com sua fome; o supérfluo ateniense era respondido com as privações espartanas; do bom comportamento ateniense ria-se a inquietude espartana.

Os atenienses se aproximavam dos professores e se orgulhavam dessa amizade; os espartanos se afastavam do corpo docente, desprezando o que julgavam uma promiscuidade. Os atenienses cumpriam os seus deveres religiosos e ganhavam o céu; nos espartanos se insinuava uma primeira e ainda pálida desconfiança dos bens eternos; e Esparta aprendia, lenta e duramente, a suportar o fogo do inferno.

Atenas era o bem; Esparta era o mal; Atenas era o equilíbrio, a ordem, a conformação; Esparta era o mau comportamento, o inconformismo, a busca de um caminho próprio. Os atenienses conheciam as fórmulas da vitória; os espartanos adivinhavam que a vida é feita de compressões. Atenas estudava, obedecia e conquistava o futuro; Esparta se indisciplinava por filosofia e lutava. Atenas era uma república de homens de pouca idade; Esparta era uma república de crianças livres.

A primeira e mais grave consequência da fundação de Esparta e Atenas foi a criação imediata de dois times de futebol. No campo, as duas cidades mediriam seu valor definitivamente, uma vez que, no plano intelectual, financeiro e moral, Atenas e Esparta se revelaram inconciliáveis.

Formaram-se entusiasticamente os dois quadros para a disputa de um campeonato que durou meses. Foi uma jornada de bravos. Nós, os espartanos, confesso com humildade, éramos também piores jogadores de futebol. Mas só amanhã encerraremos a história de Atenas e Esparta.

 

Nota: Título atribuído por Humberto Werneck à crônica identificada na base de dados da instituição como “Atenas era cumulada de todas…”.

paulo-mendes-campos
x
- +