Aula que transmitimos daqui gratuitamente aos alunos da escola de jornalismo: 

Meus prezados confrades: aprenderemos hoje as noções preliminares para a redação noticiosa de um jogo de futebol. Prestem bem atenção. Um jogo de futebol, segundo a palavra autorizada do sr. Vargas Neto, é um acontecimento no qual, se ao final de 90 minutos de disputa, o placar não acusar um empate, haverá sempre, fatalmente, infalivelmente, implacavelmente, um vencido e um vencedor.

Esta noção é de suma importância. Compreendendo-a bem, o comentarista esportivo deduz imediatamente que a sua tarefa no jornal é sumamente delicada, versando ele matéria sobre a qual o pronunciamento popular (e sobretudo dos assinantes e anunciantes) está dividido em dois grupos: contentes, isto é, vencedores, e descontentes, isto é, vencidos.

Ao comentarista esportivo cabe, dentro das múltiplas atribuições jornalísticas, conciliar aqueles dois grupos. Com habilidade, cabe ao comentarista esportivo, dentro das múltiplas atribuições jornalísticas, conforme já muito bem dissemos, exaltar os vencedores, sem subestimar os vencidos. O que é difícil, mas não é impossível.

Como o pensamento supracitado do sr. Vargas Neto deixa subentendido em suas entrelinhas, o ideal para as pessoas do esporte é que todos os jogos de futebol terminassem empatado. Infelizmente, não se registrando sempre esse ideal, toca ao estudante da crônica especializada aprender com carinho e exatidão todos os recursos de seu ofício.

Antes de mais nada, meus caros condiscípulos, aprenderemos a terminologia futebolística. O vocabulário é extremamente rico e variado. O comentarista esportivo leva essa grande vantagem sobre qualquer outro seu companheiro de redação: o seu léxico técnico lhe permite usar, para palavras do mesmo sentido, vocábulos quase tão variados quanto os sinônimos que o douto Rui encontrou, em uma página imortal, para a palavra “rebenque”. Os interessados podem, depois, dirigir-se à Casa de Rui Barbosa, ou mesmo à Biblioteca Nacional, e fazer uma lista de sinônimos encontrados no artigo “Rebenqueida”.

Em um comentário esportivo, o bom profissional nunca usa duas vezes a mesma palavra. O cabedal vocabular a seu alcance é numeroso, facilitando o cumprimento desse dispositivo. Vejamos alguns exemplos. “Jogo” é uma palavra vulgar demais, que só deve ser empregada como recurso extremo. Em seu lugar, o comentarista dirá “prélio”, “peleja”, “pugna”, “embate”, etc. A melhor de todas é “prélio”, “match” também é boa. Poderá ainda o comentarista, por um processo semântico muito comum, usar a palavra “tarde” no lugar de “partida”. Por exemplo: “Para a grande tarde esportiva de hoje, os dois quadros se apresentam com todos os seus titulares”.

“Juiz” é outra palavra que não deve ser empregada. Usem “árbitro” e, preferencialmente, “referee”. Apenas, em relação a esta última palavra, chamo a atenção da imprensa falada para o “r” inglês e a terminação “ee”. Caprichem.

Um erro muito feio é dizer-se “fau”. A palavra britânica é “foul”. Em vernáculo temos “falta”, “penalidade”, etc.

Sinônimos ricos temos também para aquilo que os povos de língua inglesa chamam de “goal keeper”. Entre eles, guarda-valas, arqueiro, guardião e goleiro.

Para a bola (evitar “bola”), temos, entre outras, “couro”, “balão”, “esfera”, “pelota”, etc. 

Eu aconselharia a todos que ouvissem durante três prélios consecutivos as irradiações do mestre Cozzi. Sobretudo aos rapazes da imprensa falada. Aí se encontra vasta floresta de exemplos, como diria Manuel Bernardes. O português clássico, não o Jacinto de Thormes. O mestre Cozzi, como vocês terão a oportunidade de observar, irradia as suas mais movimentadas partidas na letra “P”. Mas isso é um requinte a que só chegam os muito experimentados. Reparem bem: o mestre Cozzi insiste na consoante “p”, obtendo um notável efeito onomatopaico. O realismo da pugna é por vezes prejudicado em nome da dramaticidade vocálica que ele empresta a seu trabalho. Ele diz, por exemplo, assim: “A pelota é passada por Pinga para Parodi: Parodi apara passe com perfeição da perna para o pé; Parodi de posse da pelota; para Pinga novamente; Pinga para Parodi em profundidade; penetra Parodi paulatinamente, progressivamente, aponta, prepara, pimba! A pelota passou como um petardo pela paliza”!

Bem, devido ao adiantado da hora, hoje ficaremos por aqui. Prosseguiremos depois.

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