Há alguns anos, os repórteres Jean Manzon e David Nasser se encontravam em Paris, em um clube, onde se comemorava com uma grande festa uma data qualquer. Na mesa dos dois encontrava-se também, além de senhoras, um caçador francês, amigo de Jean Manzon.
Já alta noite, a alegria no clube era carnavalesca. As pessoas das diversas mesas atiravam umas nas outras umas bolas de papel, cantavam, dançavam e bebiam.
Em uma das mesas, na companhia de amigos, encontrava-se um lorde inglês, que participava com dignidade nobre e britânica do contentamento geral. A champanha, entretanto, tem o poder de alterar o cometimento dos homens, mesmo de um cavaleiro de sua majestade. E, a certa altura, o lorde, deixando de lado as bolas de papel, passou a carimbar as pessoas presentes com uvas e, entusiasmando-se no calor da ação, logo em seguida com maçãs.
Ora, deu-se que uma das maçãs veio ferir o rosto de uma das senhoras da mesa em que se encontravam os dois repórteres. Jean Manzon levantou-se e tomou uma atitude estratégica: em vez de ir diretamente verberar o mau comportamento do súdito britânico, deu uma volta (como Napoleão em uma batalha que não sei precisar) e se colocou à retaguarda do inglês. À retaguarda do inglês se achava justamente um imenso bolo, de mais de meio metro cúbico, coberto de creme e chocolate. Sorrateiramente, Manzon levantou o bolo em suas mãos, deu um grito para chamar a atenção de Nasser para o gesto que fez instantaneamente: derramar o bolo na cabeça do belicoso lorde. Tinha começado a fita cômica.
O lorde, banhado de creme e chocolate, voltou à compostura por alguns momentos esquecida no episódio das maçãs. Ergueu-se, limpou o rosto com um lenço, retirando-se a um reservado para uma limpeza mais completa.
Minutos depois voltou, sentou- se. Daí a pouco, dois dos amigos do lorde vinham à mesa de Manzon e Nasser, solenes, comunicar que o cavalheiro que havia jogado o bolo estava desafiado para um duelo. O lorde tinha a honra de enviar o seu cartão com o seu endereço e pedia o comparecimento das testemunhas de Manzon à sua mesa. O que foi gravemente assegurado aos emissários.
Manzon delegou poderes a duas testemunhas: Nasser e o caçador. Como não dispusesse de um cartão, escreveu seu nome e seu endereço em uma carteira de cigarros, e esta foi levada à presença do inglês. Este, comunicou às testemunhas que, de acordo com as leis do duelo, ele, como pessoa ofendida, tinha o direito de escolher as armas. Optava pelo florete. O duelo seria às seis horas da manhã no Bois de Boulogne.
— Florete!? — disse Manzon.
Eu nunca peguei num florete em minha vida.
As testemunhas comunicaram ao repórter o ocorrido.
Depois de ligeira deliberação entre eles, achou-se de bom alvitre que Jean Manzon fosse para uma das salas vazias do clube praticar um pouco o florete. Mas naquela hora era impossível encontrar um par de floretes. Remediou-se o contratempo com duas facas de mesa, indo Manzon e o caçador aprender os truques da esgrima. Depois de algum tempo de exercício, voltaram ambos à mesa desanimados.
— Vou morrer daqui a pouco, comunicou Manzon aos presentes. Este inglês vai me matar com o seu florete.
David Nasser, que até o momento acreditava ser tudo uma farsa ao gosto dos europeus, começou a inquietar-se e a procurar dissuadir o amigo da fúnebre empresa. Manzon suspirava:
— No Brasil, eu mandava esse inglês tomar banho. Mas aqui na França o pessoal leva muito a sério esse negócio de duelo.
Foram para o hotel e dormiram na intenção de chegar com pontualidade ao fatal duelo.
Mas não é com boas intenções que se faz um duelo. Às oito horas da manhã, Manzon batia à porta de Nasser.
— Ih, o duelo!
— Que duelo?
— Nós não acordamos para o duelo. Agora, as testemunhas estão aí no hotel.
— Pra quê?
— Trouxeram uma ata para eu assinar.
David Nasser pulou da cama com uma convicção assentada.
— Não assine esta ata de maneira nenhuma.
— Mas o que eu vou fazer?
— Não sei.... Adia-se o duelo.... Mas essa ata você não assina de jeito nenhum...
Os dois desceram, e comunicaram às testemunhas do lorde que não haveria assinatura da ata. Adiava-se o duelo. Parece que isso não se encontra na ética do duelo, mas as testemunhas não tinham mais o que fazer.
Dias depois, Nasser voltou ao Brasil, ficando Manzon em Paris. Este procurou o inglês, como se soube depois, a fim de marcar a data intransferível do combate.
Aqui no Rio, David Nasser, uma semana depois, lia um telegrama da United Press: “O repórter Jean Manzon e o lorde inglês, que o desafiara para um duelo, depois de uma troca de palavras que não pertencem ao vocabulário duelístico, reconciliaram-se”.