14 dez 1954

Apago a luz, apago os olhos...

Apago a luz, apago os olhos. Mas se alguma coisa acontecesse ― o grito de um pássaro, o estampido de um tiro, um avião a jato ― eu me levantaria ansioso, e agarraria esse acontecimento vivo, adiando por mais um pouco o meu desaparecimento na treva.

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A noite assenta aos campos desolados do Brasil como o luto a Eletra.

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Nunca tive um cachorro nem um gato; já tive uma árvore, uma frondosa mangueira.

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As seis horas da tarde, cruzando a Avenida para entrar no Cineac, onde certamente verei pela quadragésima nona vez a pesca do salmão, descubro que a alegria não é para mim um artigo de primeira necessidade. Que alívio.

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Se o ar se colorisse de repente, compreenderíamos os nossos gestos indestinados, a estranheza de nossos pensamentos, o grotesco de nossas faces. Compreenderíamos a solidão e a ignorância dos peixes.

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Jaime Ovalle tem razão: “A noite é minha, é tua, o dia não é de ninguém”.

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Escritor é quem não tem facilidade para escrever. Quem tem facilidade para escrever é orador.

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A preguiça é contrapeso do arrivismo.

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Em um poema, cada palavra deve ser uma inesperada surpresa no momento em que é lida; e inevitável depois de lida.

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Há escritores que lembram os sargentos, dão voltas e voltas para dizer que falta um botão no quepe do soldado.

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A prosa não permite o jogo com o leitor; a poesia é um jogo, que se aceita ou não. A prosa é uma ocupação de homens feitos; a poesia é o pátio das crianças.

paulo-mendes-campos
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