Um amigo meu estranhou, quando lhe disse que Fulano era desonesto, mas que era um bom sujeito.
― Afinal, que entendes por bom sujeito, ora bolas?
Ora bolas, digo eu. Certo, não se pode definir o “bom sujeito” de uma tacada. A classe comporta os mais diversos tipos e feitios. Entretanto, um certo imponderável os identifica. Darei alguns exemplos na literatura e nas artes. Já na Bíblia, encontramos vários bons sujeitos. São Pedro, renegando e arrependendo-se, era um bom sujeito, José de Arimatéia, também. Simão Cireneu era prestativo: bom sujeito. O bom ladrão, mesmo na fase da gatunagem, já era bom sujeito. La Fontaine era um ótimo sujeito, do tipo vago, que se esquece facilmente de compromissos. Bach e Mozart eram bons sujeitos. Beethoven, não. Nem tão pouco Wagner. Shelley foi cem por cento bom sujeito, do gênero lírico-idealista. Carlitos, incapaz de possuir coisas, é um tipo exemplar. Da mesma categoria, aliás, era o meu avô, que dava até os presentes que recebia, e cuja doçura de temperamento não impediu que ele houvesse se metido em um sem número de lutas corporais. Sempre ao lado da justiça e do “não levo desaforo para casa”. Mallarmé, D. Pedro II, Emilio Moura são outros tipos de bom sujeito. Fénelon e Garcia Lorca, ainda outros tipos distintos.
Já na classe oposta, também rica e complexa, poderemos lembrar alguns representantes-símbolos de algumas categorias. Goethe, com toda a serenidade olímpica, era chato (o antônimo de bom-sujeito é chato). Shylock, cobrando juros altíssimos, era um péssimo sujeito. O Shylock, cobrando juros altíssimos na sua aparência de vítima da perfídia feminina, era um chato. Voltaire não foi bom sujeito. Byron, do mesmo modo, S. Paulo, idem. Claudel é um chato. O que é preciso, antes de tudo, é não confundir o bom sujeito com o virtuoso, com o homem correto. Seria uma gafe própria dos chatos. Nem confundir com delicadeza ou prodigalidade. Marcel Proust era gentilíssimo e perdulário e, nem por isso, deixou de ser chato. Na verdade, o bom sujeito apresenta geralmente um certo relaxamento diante da vida, um certo lirismo que os faz fundamentalmente corruptíveis. Mas é preciso ter cuidado. André Gide, por exemplo, embora teórico do relaxamento e da corrupção, não chega a ser um bom sujeito.
E as mulheres? Ah! Com respeito a elas, a expressão popular confirmou sua sabedoria. Soam falsas as palavras “boa sujeita”. É que as mulheres, por fatalidade psicológica, jamais o poderão ser. Entram em classificação à parte, o que, aliás, de há muito, vem preocupando os chamados autores franceses, concessionários do assunto. Em todo caso, repita-se a realidade, bom sujeito é anti-feminino por excelência. E aqui entra um capítulo de grandes sutilezas. Porque, de modo geral, a mulher é muito superior ao homem, os melhores bons sujeitos inclusive. Mas, nestas fronteiras, eu me silencio.