Certamente, Baudelaire não fazia uma simples frase quando afirmou que o gênio não é senão a infância redescoberta à vontade. A poesia, em seu sentido amplo, situando-se na realidade obsedante, nos fatos e nos conhecimentos que se impõem ao homem, consiste em animar esta realidade, em triunfar sobre ela, em romper a névoa que esconde um país, digamos mais eficaz, mais cheio de significado. Do mesmo modo, a criança transcende as coisas que a circundam, descobre um mundo privativo, mais importante e mais verdadeiro que o círculo de seus deveres mínimos. A infância não é mais do que contemplação. É preciso, entretanto, dar o sentido às palavras: contemplar é resistir ao que se vê. Quando Jean Cocteau escreveu o romance da infância e da adolescência, escreveu a história da poesia da arte.

A melancolia da infância perdida é um dos sentimentos mais ou menos comuns a todos os homens: nela, porém, o artista sempre se descobre. Quem, caminhando à toa, não se sentiu alguma vez dominado por tudo que se perdeu quando nenhuma experiência vivida possibilitava o retorno, a recuperação do passado? Tudo que se faz impossível nos devasta. A memória é uma coleção de desolações. Jamais tornaremos a correr pelas enxurradas, os pés descalços, enquanto de casa nos chamam para jantar. Nunca mais estaremos encostados ao pórtico do colégio, subjugados por um sentimento mais complexo do que a nossa experiência do mundo. Nunca mais cruzaremos diante de um altar os dedos sujos de tinta. Nunca mais descobriremos, alumbrados, a estrada de ferro, o porquinho-da-índia, o mar...

São coisas que vivem em nós sob uma forma carinhosa e intangível, coisas estranhamente inseparáveis de nós e estranhamente perdidas. Não morreram de todo: o espírito as visita e as preserva da extinção absoluta.

Entretanto, muita gente boa já sonhou uma “filosofia” de recuperação do passado depois da morte. Um dos escritores mais racionalistas de todos os tempos, Paul Valéry, já pronunciou esta palavra mística: “Talvez a eternidade não seja mais do que a restituição da poesia da vida temporal”. O passado transformado em espaço, eis, na verdade, uma forma simpática do eterno. Novamente correríamos pelo capim molhado, ouviríamos vozes familiares na sala de uma casa já desaparecida, renovaríamos o milagre das primeiras descobertas.

Nisto reside a esperança que a arte de certo modo transmite: uma esperança sem fundamento, áspera, difícil.

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