Pouco se sabe sobre as irmãs Brontë. Ignoramos muito dos 39 anos que viveu Charlotte e quase tudo dos 30 dezembros selvagens que viveu Emily. O mistério atiçou um sem número de escritores, sendo relativamente das mais ricas na literatura inglesa a bibliografia delas. Objetivamente, porém, nenhuma das pesquisas apresenta resultados definitivos, as interpretações são múltiplas e desencontradas. Assim como Hamlet se enriquece de mistério à medida que se procura defini-lo, da mesma forma as sucessivas interpretações que vêm sendo feitas sobre esta ou aquela Brontë, ampliam a perspectiva de Yorkshire, mas não espanejam a névoa que a envolve. E não há nenhum exemplar desta espécie literária que é o poeta incapaz de exprimir-se que não tenha sofrido a sedução das Brontë, deixando-se levar pelo desejo de resgatar-lhes o segredo. O resultado não podia ser outro: há centenas de retratos de Emily e de Charlotte... à imagem e semelhança das pessoas que os fizeram.

Sobre a experiência amorosa, sobretudo, a discórdia é viva e perene. Que espécie de amor elas conheceram, se é que o conheceram? Charlotte, acredita-se que tenha amado Heger, embora uma inglesa. May Sinclair afirma, numa defesa bastante acrimoniosa, que a criadora de Jane Eyre, isenta de todas as ilusões, manhas e corrupções do sentimentalismo, era incapaz de sentir em si mesma a possibilidade da paixão. Quanto a Emily, é ainda muito mais improvável determinar a espécie de amor que a possuía. Embora pouco esclarecido o seu sentimento para com Branwell, é mais acertado supor que a intensidade de sua paixão transcendeu as pessoas, seja qual for o motivo, não importa. Quem quiser que a contemple como uma jovem mística, “in love with the absolute”. Quem não se afeiçoar a esta terminologia pode achar simplesmente, com Virginia Woolf, que o amor de Emily Brontë foi inspirado em uma concepção mais ampla, mais poética, diríamos, se significássemos com a palavra uma complexa afetividade para com as coisas do mundo.

O fato, porém, é que o véu em torno desta família, pela liberdade que concede, constituía um excelente material para um filme. Hollywood, que já nos dera boas versões de Wuthering Heights e Jane Eyre, duas novelas que os inúmeros defeitos se apagam na potencialidade emocional da narrativa, apresenta-nos hoje uma história sobre as autoras destes livros e a estranha família de que faziam parte. Se sob o ponto de vista da autenticidade anedótica e dos temperamentos, esse filme não chega a ser ridículo, como foi aquele sobre Edgard Poe, cabe-lhe infelizmente a qualificação de bisonho. Com esse mesmo script, não obstante, poder-se-ia conseguir bastante, tanto em dramaticidade como em qualidade técnica. Não há muitos temas com uma legenda tão apropriada para o cinema como a passagem dos Brontë sobre a Terra. Poucas histórias exigem espontaneamente uma linguagem fotográfica, uma linguagem ao mesmo tempo tão expressiva e tão muda como a própria vida de Emily, Charlotte, Ann Branwell, o pastor, a tia e o cachorrinho. Mais do que a literatura, está o cinema credenciado para apresentar esta gente e o mito que se vai tecendo em torno dela. Entretanto, mesmo sem medir a “chance” com a realização, o celuloide americano não satisfaz o menos exigente dos curiosos admiradores daquelas moças. E não creio que satisfaça igualmente ao crítico de cinema.

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