O avião partiu de madrugada, um aparelho bitelo de transporte de tropas. Fazia frio e os jornalistas cariocas se enrolavam em providenciais cobertores. Tomou-se café quente, comeu-se de uma bolacha insípida e nutritiva. Em seguida, por minha parte, dormi, dormi até a proximidade de Bocaiuva.

De manhãzinha, acordaram-me para ver a paisagem, áspera e triste paisagem de Minas, terra sáfara e despovoada. Um professor de geografia falou sobre a região, um cearense falou sobre o Ceará, mas eu continuava com sono e entrei novamente a dormitar.

Aterrissamos um pouco depois de sete horas. Um jeep nos levou para o acampamento, através da estrada mais poeirenta de todas as poeirentas estradas do Brasil. Chegados ao local, depois das instruções, e silêncio nos fios recomendado como virtude indispensável ao bem andamento das observações. Um alto-falante ligado a um relógio marcava monótona e melancolicamente os segundos, num som roufenho, como se uma galinha da Angola contasse o tempo.

A cinco metros do lugar em que estávamos defendidos da curiosidade jornalística por uma cerca, postavam-se os sábios diante de seus complicados instrumentos, canhões pacíficos apontados contra o céu. Somente um deles, o professor Biesbroek, pareceu-me verdadeiramente sábio, por causa de suas longas barbas brancas e o seu ar abstrato cem por cento científico. Os outros, eram joviais e não se diferençavam dos demais americanos.

Aguardar um eclipse é coisa monótona para os leigos. Por maior que fosse o nosso esforço mental, não nos vinha nenhuma comoção quando informados da importância do eclipse para a ciência. O que nos interessava era o espetáculo, o circo astral, o palco celeste em um número novo.

O locutor anunciou o primeiro contato. Começou o eclipse. Lentamente, a lua foi se interpondo entre o astro rei e a terra. À medida que escurecia, aumentava o friozinho bom. Não era uma cor arroxeada e triste que fazia esquisita o recorte das árvores contra o horizonte. A própria sombra projetada por essa luz era diferente, uma sombra que chamava a atenção. Com o progresso do eclipse, os rostos foram ficando cadavéricos e sombrios, e o silêncio já não era apenas uma ordem recebida, era uma imposição da beleza grave do fenômeno. Os únicos, talvez, ali, não tocados pelo lirismo daquela noite súbita, foram os cientistas, preocupados com a curvatura da luz estelar e não sei quantas coisas complicadas.

Quando o fenômeno atingiu a sua totalidade, estrelas surgiram no céu, estrelas brilhantes, iludidas com a escuridão. A quietude dos presentes era exemplar. Era noite, noite que sabíamos efêmera, mas noite, deusa apaziguadora que os poetas de sempre cantaram. Bocaiuva estava consagrada. Seus moradores deveriam sentir-se orgulhosos.

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