Diz um provérbio judaico que Deus, não podendo estar em toda parte, fez as mães. 

Como as mães são terríveis! Como urdem dia e noite a teia do amor e da vigilância, como se inclinam ilimitadamente sobre os filhos, essas almas verdes sempre ameaçadas de descaminhos. Como se multiplicam em delicadezas invisíveis. Melhor ainda, mais sutil ainda, como sabem manejar a severidade que usavam nos tempos da nossa infância, quando o filho ou a filha, aqui ou ali, não carecem de ternura e sim de correção, de uma palmada que os devolva à realidade.

Quando um homem põe barba, quer pensar com o seu nariz; quando a menina põe busto, quer pensar com o seu coração. De que ardis as mães se socorrem então a fim de endireitar esses corações e esses narizes sem machucá-los.

Coisa contraditória é o ser humano: desde a meninice que briga para ser gente grande e, entretanto, enquanto as mães estão vivas, todos nós, burrões maduros, fazemos os piores papéis para conservar o privilégio de viver como crianças, estroinas, amalucados. Muitos erros dos adultos, muitas de suas inexplicáveis infantilidades, só têm um motivo: dar uma chance para que suas mães velem por eles, forçá-las àquela doce tirania da ternura, não permitir-lhes a paz, o descanso, criar-lhes oportunidade para que os repreendam e castiguem.

Os adultos são todos órfãos; ter juízo é não ter mãe, perdê-la. A maturidade começa com a intransponível solidão de um homem, quando desaparece a mulher que o pôs no mundo, a mulher que o ata à infância e à terra, a tudo. Sem ela é como se um elo partisse, como se fôssemos fantasmas sem origens e sem destino. Não é metáfora, não: é no duro.

Mas eu tenho mãe e, ontem, sonhei com ela. Nós almoçávamos em sua casa. Lembro-me que acabava de comer uma enorme salada de alface, muito temperada, como eu gosto, quando minha mãe me falou, com uma voz superlativamente doce, no sonho: 

"Meu filho, você anda comendo muito: cuidado com a arterioesclerose."

Acordei em pânico e cheio de lúcida gratidão. Aparecer em sonho para aconselhar-nos é uma das espertezas das mães. Mas a esperteza da minha mãe era ainda maior. Não ando comendo muito e nenhum sinal aparente me faz candidato a morrer de arterioesclerose. Minha mãe queria dizer outra coisa, apenas usou do estratagema de que eu estava comendo muito para não magoar o filho. De fato, eu andava era exagerando na bebida, muitas festas durante a semana, uma amiga que fez anos, um amigo que foi para Europa, um outro que deu uma recepção sem motivo algum etc. Sim, eu tinha exagerado esses últimos dias. E o que minha mãe quer me dizer é claro como água:

"Meu filho, você anda bebendo muito: cuidado com a cirrose."

paulo-mendes-campos
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