O sr. Guilherme Romano tem toda razão. Ele está recomendando aos proprietários de terrenos baldios no Distrito Federal que tomem providências no sentido de, o mais rapidamente possível, cercá-los com muro de alvenaria ou placas de cimento pré-moldadas. Deverão os referidos proprietários — diz a notícia — manter constante vigilância sobre seus imóveis, a fim de evitar a construção de casebres, “colaborando assim com a administração municipal no combate à proliferação de construções clandestinas”. A Prefeitura facilitará a construção de muros, tanto no que toca ao licenciamento como à aquisição de material. A Coordenação dos Serviços das Favelas (é essa coisa que o sr. Romano dirige) “providenciará junto à Polícia de Vigilância uma especial atenção para com os terrenos, cujos proprietários se disponham a cooperar na sobreguarda do seu próprio patrimônio e na solução do problema das favelas”.

Essa bela notícia é um pouco falha, pois não nos diz nada sobre as providências tomadas para que essa pobre gente, que invade os terrenos, possa morar em algum lugar. Isso, com certeza, é assunto de outro departamento do governo. Aqui se trata apenas de cercar os terrenos, vigiá-los, SOBREGUARDÁ-LOS (palavra tremenda) para impedir a invasão desse indesejável: o pobre. Bernard Shaw disse que a pobreza é um pecado, estamos vendo que ela é quase um crime. O casebre do pobre é como uma lepra que se evita erguendo muros e postando guardas particulares e públicos.

Ora, eu não sou a favor de favelas, mas não creio que elas sejam uma praga, uma doença. Elas são, apenas, um sintoma. Essa gente tocada pela miséria da roça não pode esperar que dona Alzirinha venha de Paris resolver definitivamente os problemas rurais, nem que o dr. Josué cuide do bem-estar social do sr. Truman. Essa gente tem de comer, tem de morar. Como não tem nenhum terreno, procura os baldios. Se os encontra trancados e guardados aqui, vai além. Há muitos terrenos baldios no Brasil que é, por assim dizer, um país baldio. Podemos, com o fogo e depois com o cimento e as pauladas e o revólver, impedir que os pobres venham morar demasiado perto dos ricos. Não podemos impedir que eles morem em algum lugar.

Essa Coordenação das Favelas não pensa em resolver o problema apenas enxota o problema. O problema é o pobre. A pobreza é um pecado. A pobreza é um crime. O melhor é liquidá-la. E o governo parece que está fazendo, neste particular, uma política muito realista: como não quer ou não pode acabar com a pobreza, ele procura acabar com os pobres.

Do jeito que vai, acaba mesmo.

rubem-braga
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