Andei, virei, mexi e acabei no hotel mais velho de Roma, este Albergo d’Inghilterra onde em 1800 e tantos o papa Pio não sei quantos fez uma visita ao rei Pedro tantos de Portugal — o que está escrito em uma placa de mármore no segundo andar. O hotel tem sofrido transformações, mas sempre parciais, o que é fácil deduzir pelos móveis que se amontoam nos quartos e salas, oferecendo uma soberba mostra do mau gosto através das épocas, desde o Setecentos até hoje.

Mas tem chuveiro — inumeráveis chuveiros com água quente e fria, em série, que ninguém frequenta a não ser o cronista brasileiro, e que devem ter sido instalados por alguma tropa ocupante em alguma das últimas guerras, pois são chuveiros coletivos, como nos quartéis o nos ginásios. E fica perto do Corso e da Condotti, perto sobretudo da Piazza di Spagna e da Via Marguta, das trattorias de pintores e costureiras: e tem uma fonte ao lado da entrada, nesta pequena e boa Via Bocca di Leone...

O nome talvez assuste um pouco. Pessoas tímidas se recusam a visitar a gente que mora nesta rua. Esta é uma explicação. Há outras. Quando eu sair não mandarei colocar nenhuma placa de mármore, neste terceiro andar. Nem mesmo invisível, incrustada na parede, com aquele verso mineiro que sonhei gravar, oh bela romana: “Aqui outrora retumbaram hinos...”.

Só o pequeno bronze de Pompeia, sobre o mármore da lareira essa mulher nua e esguia, que ajeita os cabelos diante do espelho — é uma recordação para sempre.

Mas, vamos e venhamos, o velho poeta Ungaretti me visitou. Andou pelos corredores escuros, falando com sua voz explosiva, agitando as mãos. Já morou aqui: já foi preso aqui, porque, durante o fascismo, assinou uma declaração contra as leis antissemitas. Ao sairmos, na via Borgognona, alguns pedreiros reformavam a fachada de uma velha casa. O poeta parou:

— Agora Roma acaba de se refazer mais uma vez. Agora, depois de mais uma guerra, ela mostra de novo sua bela face eterna!

E eu, que às vezes sou mau caráter, lhe disse:

— Esses homens precisam trabalhar depressa. É preciso acabar logo esses serviços, deixar a cidade bem arrumada, porque já está na hora de começar outra guerra.

E o velho, aos brados, no meio da rua, me excomungou.

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