Escrevo na véspera de uma greve de funcionários públicos — inclusive os ferroviários, que paralisarão os trens por 24 horas. O governo explica que o déficit deste ano é calculado em 369 bilhões de liras e que não é possível dar um aumento maior do que o concedido. Mas os funcionários respondem que três por cento é pouco; dizem que em pouco mais de um ano o custo de vida subiu 13 por cento. O governo anuncia aumento no preço do gás e dos fosfatos para a lavoura.

Mas Roma continua alegre, com seus ônibus elétricos verdes, sua meninada enchendo as praças, e essas inumeráveis motocicletas de dois assentos, lambretas ou vespas, em que os namorados menos ricos levam na garupa suas pequenas. Os partidos políticos brigam pelos jornais, o governo italiano fecha seu consulado em Bratislava e convida a Tchecoslováquia a fechar o seu em Milão; ninguém vê com alegria o rearmamento da Alemanha, a questão de Trieste continua enguiçada, Nápoles vira base naval americana — mas os namorados continuam a comprar flores na Piazza di Spagna, uma tarde na Piazza Navona tem sempre um ar de festa, e as trattorias estão cheias de gente que bebe grosso e fala alto.

Com toda a sua civilização milenar, o italiano continua a ser uma raça nova, de uma bela vitalidade animal. Eu começava a comer sossegado um pedaço de cabrito, no caramanchão de uma trattoria, quando senti alguns leves pingos de chuva. Imediatamente os garçons começaram a olhar para o alto, a estender os braços e a gritar:

Piove!

O patrão veio, sua mulher gorda veio, três meninos vieram, todos olhavam o céu, faziam gestos:

Piove! Piove!

E na mesa ao lado dois homens e uma mulher também se ergueram. E como num balé burlesco, todo mundo, todos os fregueses, até o cozinheiro e seus ajudantes se puseram a gritar e depois a carregar cadeiras e toalhas, gritando e rindo, numa espécie de excitação animal, como pássaros assanhados:

Piove! Piove!

Mas era apenas uma nuvenzinha branca que logo passou no céu azul, levada pelo vento. Uma nuvenzinha deixando cair algumas gotas de água, que em Londres não conseguiria provocar mais de dois ou três olhares para o alto, dos fregueses fleumáticos. Para os italianos foi um susto, uma festa, um extraordinário bailado que durou dois minutos — e terminou para que os garçons pudessem trazer lá de dentro, sempre a correr, seus belos pratos de massa fumegantes.

rubem-braga
As crônicas aqui reproduzidas podem veicular representações negativas e estereótipos da época em que foram escritas. Acreditamos, no entanto, na importância de publicá-las: por retratarem o comportamento e os costumes de outro tempo, contribuem para o relevante debate em torno de inclusão social e diversidade.
x
- +